
Os poucos que sabem de sua existência também sabem que foi lá que aconteceu um genocídio entre os anos de 1900 e 1910. Quando se fala em genocídio, pensamos logo em execuções em massa, campos de concentração nazistas, conflitos étnicos na África, pogroms no tempo dos czares ou nos "Processos" stalinistas. Não é o caso.
O crime em São João Marcos foi cometido em nome do progresso e as mortes foram provocadas por nuvens de mosquitos, em vez de pelotões de fuzilamento. A Light tencionava construir naquele lugar – que hoje tem sua área dividida entre os municípios fluminenses de Rio Claro e Piraí – a represa do Ribeirão das Lages. E conseguiu virar do avesso a vida da cidade com o apoio de um ministro do Supremo chamado Ataulfo de Paiva, esse mesmo que é nome de avenida no Leblon. Espantosamente, Paiva nascera em São João Marcos. Ah! O prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, também era marquense.
A história me foi contada pelo pesquisador e jornalista Emmanuel Macedo Soares há mais de 15 anos. Antes do crime, houve a compra das antigas fazendas cafeeiras pela empresa canadense, a partir de 1897. O objetivo era produzir, aproveitando o potencial daquele ribeirão, a energia elétrica que o Rio de Janeiro precisava para dar o salto para o futuro e tornar-se, com a eletrificação e o combate à febre amarela, uma grande cidade digna de ser a capital brasileira.
O primeiro crime da Light, com o apoio da imprensa carioca, foi ludibriar a opinião pública com insinuações, que viraram afirmações, de que em São João Marcos proliferavam os mosquitos transmissores da malária e de outras enfermidades.
Como na fábula do lobo e do cordeiro, a culpa foi posta no mais fraco. Não havia mosquitada alguma em São João Marcos. O inseto chegou justamente com a abertura dos primeiros reservatórios para a construção da represa, um empreendimento levado adiante mesmo com o lugar ainda ocupado por milhares de pessoas que se recusaram a vender terras e casas para a Light. O mosquito proliferou, de fato, na água parada dos reservatórios.
Os números oficiais sobre as mortes ocorridas revelavam, por exemplo, que no ano de 1900, de 233 mortes registradas nos três distritos de São João Marcos, quatro foram causados pela febre. Em 1901, de 274 mortes, dez tiveram como causa a malária. Em 1902, de 227 mortes, seis casos. De repente, em 1907, do total de 274 mortes, 90 casos da doença. E em 1909 – vejam só –, o salto terrível: 917 mortes, sendo 770 por picada de mosquito.
Em 1911, finalmente, o governador Oliveira Botelho reconheceu em mea culpa publicado nos jornais:
“Para que a morte e a miséria, com todo o cortejo de dores, se instalassem naquelas terras, foi mister o seu abandono criminoso pelo Governo do Estado (...) Represadas as águas pela colossal barragem, começou a inundação dos pastos, lavouras, matas, casas, currais, chiqueiros e até de um cemitério, por cima do qual se navega em lancha! (...) Os poucos sobreviventes aguardavam com simpatia minha visita (...) Daquelas bocas, não se podia esperar que saíssem senão imprecações e maldições, tão revoltante fora o crime contra eles praticado, não por mim, é verdade, mas pelo governo, entidade abstrata, naquele momento em minha pessoa representada”.
Que cara de pau, hein? O tal do Oliveira Botelho fora vice-governador na época do genocídio, ou seja, poderia ter feito alguma coisa e não fez. Preferiu falar depois de assumir o cargo e jogar toda a culpa em seu antecessor Nilo Peçanha.
A histórica São João Marcos foi explodida a dinamite e, pior, a represa acabou sendo construída em outro lugar. Ou seja, mortes inúteis, doenças que podiam ter sido evitadas, gente expulsa sem motivo do lugar onde nasceu. Na imagem abaixo, de péssima resolução, o registro do momento em que a cidade foi invadida pelas águas. Ignoro quem seja o autor da foto.
A histórica São João Marcos foi explodida a dinamite e, pior, a represa acabou sendo construída em outro lugar. Ou seja, mortes inúteis, doenças que podiam ter sido evitadas, gente expulsa sem motivo do lugar onde nasceu. Na imagem abaixo, de péssima resolução, o registro do momento em que a cidade foi invadida pelas águas. Ignoro quem seja o autor da foto.
As informações foram tiradas de documentos e matérias jornalísticas que consultei para escrever "A Represa da Morte", um dos capítulos do livro "Roberto Silveira, a Pedra e o Fogo" (Casa Jorge, 2003).

7 comentários:
Ótima lembrança. Tive uma colega do curso de mestrado da UFRJ, Dilma, que escreveu tese sobre o crime que foi feito contra São João Marcos. Vou ver se encontro a referência do trabalho e coloco aqui.
Abraço
Há uns meses, passando de carro pela Dutra, parei numa biboca chamada Cacaria, que era parte de SJM e hoje é, se não me engano, é Paracambi. Três ou quatro ruas, algumas casas, um boteco, outro comercinho e o cemitério lá no alto, no ponto que deve ser o mais nobre. Fiquei olhando as pessoas, discretamente, para me certificar de que não eram fantasmas. Simas, se um dia alguém precisar de esconder de verdade, não existe lugar melhor. O que fizeram com SJM foi uma maldade, cara. E tudo em nome de algo que era bom: "E o Rio civiliza-se!". Outra coisa, por trás das manobras judiciais da Light estava, nem mais, nem menos, o ilustre dr. Rui Barbosa, que depois de sentar o cacete na Light, assumiu a chefia do jurídico do Polvo Canadense - e isso não me surpreendeu. Pergunte à Dilma qual foi o papel do Oswaldo Cruz nesse fuzuê. Existe a suspeita de que ele teria assinado o laudo condenando SJM sem jamais ter pisado na cidade - se for verdade mesmo, isso com certeza me surpreenderia.
Interessante essa história. Não conhecia.
Leo, o dia de São João Marcos é o mesmo de Cosme e Damião, 27 de setembro. Até uns 10 anos atrás, não sei se ainda fazem isso, os sobreviventes e seus filhos iam ao lugar onde ficava a cidade e faziam piquenique. Um reporter de algum jornal da região (Piraí, Rio Claro, sei lá) perguntou por que eles estavam lá e alguém respondeu: "Hoje a gente veio almoçar em casa".
Estou no ultimo ano do curso de História, e minha monografia ´é sobre o desaparecimento de São joão Marcos, e a posição na época entre Light e os governos Estadual e Federal, e uma das minhas referências Bibliograficas e a Senhora Dilma Andrade , ela é simplesmente expert sobre SJM,
Olá, estou no ultimo ano do curso de Historia e minha monografia é sobre a destruição de São João Marcos, dessa forma gostaria de saber de José Sérgio Rocha onde posso conseguir essas informaçoes tão importantes ditas por vc, gostaria de saber o que vc sabe sobre Luis Ascendino Dantas, o lider da resistencia contra a destruição e onde posso encontrar os livros de sua autoria, onde ele relata a historia de São João MARCOS. hÁ DE SE RESSALTAR tbm, não sei se vcs já saberm, mas a Light esta fazendo um parque das ruinas no local, como se fosse um cala a boca definitivo para os remanescentes e seus familiares das cidades vizinhas.
FOI UMA PERDA MUITO GRANDE PARA A CULTURA E PROGRESSO DESSE PAÍS,SJM,
E MUNICIPIO DE RIO CLARO PAROU NO TEMPO...QUE PENA, CIDADE ONDE NASCEU
FAGUNDES VARELLA, SJM CIDADE ONDE NASCEU PEREIRA PASSOS E OUTRA PESSOAS ILUSTRES, COMO :BOIADEIRO, FAZENDEIROS,SENHOURAS SIMPLES SEM NOME IMPORTANTE, MAS QUE DE FATO CONTRIBUIU, MUITO PARA AQUELA IMPORTANTE CIDADE , ONDE ESCOAVA TODA SUA PRODUÇÃO PELO PORTO DE MANGARATIBA-RJ.HOJE EXISTE NO LOCAL UM SITIO ARQUEOLOGICO, VALE A PENA CONHECER E SE EMOCIONAR DESSA HITORIA VIVA QUE NOS FOI ARRANACADA PELOS INTERESSE INTERNACIONAIS.
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