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domingo, 5 de setembro de 2010

O DIA EM QUE FEDERICO FELLINI BAIXOU NA CINELÂNDIA


Dia maluco o 31/8, terça passada! Luto e farra. Luto pelo último dia em que o Jornal do Brasil circulou. Farra porque até antigos leitores do JB participaram da despedida na Cinelândia que Jorge Antônio Barros comparou, em seu blog Repórter do Crime, com os funerais de Nova Orleans. E à noite, no Capela, Alfredo Herkenhoff lançou seu livro (ótimo, Memórias de um Secretário - Pautas e Fontes) sobre o grande jornal que fez história. A no alto foi tirada de outro blog, Álbum Jotabeniano, pilotado por Sérgio Fleury. Lembra outra (guardadas as devidas proporções, e bota proporções nisso!), tirada no Harlem, em 1958. Numa, nós, anônimos trabalhadores da imprensa carioca. Noutra, os monstros sagrados do jazz. A Cinelândia foi o nosso Harlem. E o filme que passou na cabeça da gente foi Amarcord puro. O JB não foi apenas o local de trabalho favorito. Era quase um lar. Deixou boas e más lembranças, estas quase sempre associadas a demissões e passaralhos.
Aprendi muito naquela casa, desde o primeiro dia, 1º de maio de 1973. Pois é, comecei a trabalhar ali num feriado, separando telegramas na editoria Internacional. Fui promovido a redator depois de passar no cursinho do Quintaes e de escrever as primeiras matérias, no tempo da guerra do Yom Kippur. Fiz o primeiro texto, pequenininho, a mando do Gazzaneo. A chance veio por um motivo: eram tantos telegramas, tantas versões conflitantes, que achei melhor criar um monte de pastas. O Gazza gostou da ideia.
No dia seguinte, o jornal foi editado assim: numa página, a versão israelense de determinado episódio; na página ao lado, o mesmo fato sob a ótica dos árabes.
E o teste da calandra? Era parte do ritual mandar o recém-chegado pegar a calandra na oficina. Os que não sabiam do que se tratava caíam no conto do vigário. No meu caso, o vigário foi o Leiser.
Primeira bola fora. Terminado o cursinho, éramos enviados para as editorias onde poderíamos ser absorvidos como estagiários. Fiz um teste no Esporte, muito ruim. Oldemário Touguinhó me mandou cobrir uma regata. E o sacana do José Roberto Tedesco, o Zé Cavalo, escalado para me tutelar naquele dia, me botou no barco do juiz. Resultado: passei a tarde inteira no mar. Não enjoei, mas cheguei com o resultado quando a página já tinha sido fechada pelo João Areosa. Claro que a matéria já tinha sido feita pelo Zé Cavalo.
Das gozações me lembro bem. O grande algoz, meu e de muita gente, era o redator Luiz Fernando Cardoso, que me deu carona até Copacabana, onde eu morava, no prédio do teatro Princesa Isabel. Em cartaz, uma peça do Jô Soares. Um monte de gente na porta. O sacana do LF me deixa na porta e berra para todo mundo ouvir: “Não esquece de comprar sua pomada de hemorróidas!”. Entrei em casa vermelho de raiva, com as gargalhadas ainda ecoando no elevador.
Lembro também do meu primeiro título, para uma nota de colunão (textinho de cinco ou seis linhas, numa coluna) sobre a conferência realizada no mesmo ano sobre o uso dos mares. A reunião não deu muito certo. Tasquei em duas linhas: “Conferência foi/ por água abaixo”. No dia seguinte, tinha elogio por escrito do Luiz Orlando Carneiro: “Gostei muito de seu título. Pensei até que foi feito pelo Renato (Machado)”.
Primeiro esporro: chamei um chefe mafioso que estava escondido no Rio e aqui foi preso pelo nome verdadeiro – Tommaso Buscetta. O editor “corrigiu” a tempo. O JB era meio filho-de-Maria para certas coisas. O bandidão foi rebatizado como Bruschetta.
Da minha entrada no JB também lembro bem. Até já contei aqui: http://quemevivo.blogspot.com/2009/05/seu-pistolao-subiu-no-telhado.html.
No peito, algumas saudades. Na vitrolinha, Nino Rota (acima) e Louis Armstrong (com a foto do Harlem).

terça-feira, 17 de agosto de 2010

FELIS DOMESTICUS POR SYLVILAGUS BRASILIENSIS


A “Época” está vendendo felis domesticus por sylvilagus brasiliensis. Quem pegou o tempo do latim no Colégio Pedro II vai lembrar o que é isso. Refiro-me à matéria de capa sobre Dilma Rousseff. Quem vê a capa e não lê o miolo, estranha com razão. A capa promete revelações sensacionais sobre o papel da candidata de Lula à Presidência da República na luta armada.
Porém, basta ler o conteúdo das páginas 34 a 48, espaço das duas matérias com as quais a revista mimoseia a ex-ministra, para entender que não é nada disso. A “Época” só contou coisas boas da candidata que, aliás, começa a disparar nas pesquisas.
A primeira matéria é um refogado que apenas confirma o que Dilma tem dito sempre, ou seja, que nunca participou diretamente de ações armadas. Pior, desmente a sugestão do subtítulo da capa: “Documentos inéditos revelam uma história que ela não gosta de lembrar: seu papel na luta armada contra o regime militar”.
O que esse subtítulo quer significar? Que ela pegou uma metranca e saiu por aí. Mas não era isso.
A página mais hilariante desta primeira matéria é a 42, que traz um quadro negro sob o título “As dúvidas sobre o passado”, com uma série de perguntas que poderiam, sem mudar uma vírgula, ser as mesmas feitas pelos torturadores. Com exceção da última (“Dilma se arrepende de alguma atitude tomada naquele período?”), que deve ter sido feita pelo capelão militar de plantão na cadeia.
A segunda matéria tem mais jeito de reportagem do que de editorial. Graças à fantástica apuração ali contida fiquei sabendo, por exemplo, que Dilma “não tinha nenhum talento na cozinha” e que usava o pátio da cadeia para “visitas higiênicas”.
O que são “visitas higiênicas”? Além de terrorista que não deixa rastros das milhões de rajadas que disparou, a Dilma não é boa no fogão e tem mania de limpeza. Esse mundo está perdido! Mais uma pesquisa do Ibope e uns e outros vão atear fogo às vestes.

Nas vozes dos Anjos do Inferno, "Como se faz uma cuíca".

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

MAIS QUATRO HISTÓRIAS DO MELHOR JORNAL DO MUNDO



Na noite de terça-feira, 31 de agosto, no anexo do Capela, Alfredo Herkenhoff lança seu livro "Memórias de um secretário do Jornal do Brasil". É dia de cercar o cabrito com arroz e brócolis e enviá-lo direto para o estômago, afogado em litros de chope. Antes disso, mais quatro historinhas que me contaram do melhor jornal que o Brasil teve nos últimos 510 anos. No gramofone do Elefantinho do JB, "Ameno Resedá" com a Orquestra do Rancho Flor do Sereno.


O menor título do mundo
Titular matéria pode ser complicado, sobretudo quando o paginador (ou diagramador) dizia ao redator:
“Olhaí. É matéria de colunão. Faz um três de onze”.
Ou seja, o título tinha que ter três linhas e, no máximo, onze batidas em cada uma delas.
O infeliz tinha que se virar.
No velho JB, o secretário do jornal e chefe do Copidesque, José Silveira era o rei do título enxuto. Literalmente, tirava de letra o desafio de acomodar em espaços mínimos o assunto principal da reportagem.
Foi assim, por exemplo, no ano de 1961, quando Juscelino Kubitschek, recém-saído da Presidência da República, foi convidado pelo sucessor Jânio Quadros para assumir a Embaixada do Brasil junto às Nações Unidas.
Provocado por um diagramador a fazer valer sua fama de titulador, usando um formato mínimo, Silveira perguntou se serviria um título de três de três. Sentou diante das pretinhas e batucou na hora:
JK:
ONU
NÃO
Se o Guiness não registrou, devia.

O dia em que ACM chorou
Correu a notícia de que o governador da Bahia ia colocar três pontes de safena.
No JB, Gilberto Menezes Côrtes, responsável pela coluna Informe JB, não pensou duas vezes:
“Antônio Carlos Magalhães vai fazer três pontes: uma com a OAS, outra com a Camargo Corrêa e a terceira com a ADM”.
ACM leu, não gostou e revidou via fax:
“Você esqueceu de dizer que vou fazer uma também com a senhora sua mãe”.
Gilberto replicou:
“Governador, lamento o tom de sua resposta a uma simples brincadeira. Mas devo adiantar que, infelizmente, perdi minha mãe recentemente num trágico acidente automobilístico que levou também meu pai e meu único irmão".
Dizem que o cacique foi às lágrimas, antes de se desculpar pela grosseria e de convidar Gilberto para almoçar no Palácio de Ondina.

O trem do JB
O repórter João Batista de Abreu tinha um compromisso: chegar às sete em ponto na estação da Leopoldina para seguir no trem húngaro em sua primeira viagem a São Paulo.
Chegou às 7h02min, e minutos depois viu quando o ministro Mário Andreazza, seus auxiliares e os puxa-sacos de sempre voltavam da cerimônia de lançamento.
Com medo de ser demitido, pensando na falta que o leite faria à prole botafoguense que em breve botaria no mundo, faria qualquer coisa, menos voltar ao jornal.
O trem era rápido, mas o avião muito mais. Pegou o táxi para o Santos Dumont. Perguntou se tinha vôo para São Paulo e quanto custava. Daria um jeito de pagar, e receber depois do controlador de diárias. Era muita grana, mesmo assim, e note-se que não havia ainda cartão de crédito na mão de qualquer Mané.
Teve um lampejo: e para São José dos Campos? Sabia que o trem passaria na cidade.
Em vez de responder, dando horário do embarque e preço da viagem, o funcionário perguntou o peso do repórter. “72 quilos”, respondeu.
“Então, embarque no portão 1 que é de graça”.
Opa, a sorte mudou de conta. Chegando a São José dos Campos com bastante antecedência, encontrou um primo, professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica, e pediu que ele dissesse qual era a bandeirinha que usaria para obrigar o trem a parar.
“Esqueça. Pega a chave do Fusca e vai para São Paulo”.
O retardatário saiu voado pela Dutra e chegou à Luz antes do bendito expresso magiar. A tempo de entrevistar autoridades e transeuntes na plataforma, de receber o trem e conversar com os passageiros. Do resto cuidaria o fotógrafo Otávio Magalhães, que chegou na hora e embarcou.
Juntou os depoimentos com o ambiente de cada lugar percorrido – ele conhecera o trajeto na viagem experimental, semanas antes – e enviou a matéria pelo telex da sucursal paulistana do JB.
No dia seguinte, chegando ao jornal, soube que o editor nacional Juarez Bahia queria falar com ele.
“Pronto. Nem assim adiantou. Fui demitido”.
Juarez o recebeu na saleta ao lado do Telex, parecia meio chateado. Não era, porém, o que havia pensado.
“Queria te pedir desculpas. Sua matéria foi publicada sem sua assinatura. Por engano, saiu com o crédito da sucursal”.

Oldemário e o coronel
Na ditadura, em qualquer empresa pública ou privada, a área de segurança tinha um poder tremendo. No Jornal do Brasil dos anos 70, nem tanto. O chefe, um certo coronel Melo, chegava até a ser cordial, mas impunha um clima pesado, nada condizente com o de uma redação de jornal. O respeito deu adeuzinho quando seus subordinados foram se meter com Oldemário Touguinhó. Não era permitido entrar no JB usando bermuda, mas Oldemário precisou dar um pulinho na editoria de esportes, numa manhã, para pegar alguma coisa que havia esquecido na gaveta.
Foi assim que me contaram essa história:
O segurança foi barrá-lo na portaria. O editor se identificou e pediu novamente para ter acesso ao elevador. Iria apenas à sala pegar uns papéis. A paciência de Oldemário foi embora quando ouviu a frase:
“O senhor não pode subir de bermuda. São ordens do coronel Melo!”.
“Ah, é? Então vai tomar no cu. E diga ao coronel Melo que eu mandei ele também tomar no cu!”.
O segurança não sabia o que fazer. Oldemário, muito puto, resolveu não insistir mais.
Na segunda-feira, o telefone toca na editoria. Era pro Oldemário.
“Oldemário, boa tarde. Aqui é o coronel Melo. Tudo bem contigo?”.
“Pode falar, coronel”.
“Oldemário, aconteceu uma coisa desagradável. Um subordinado meu me contou... etc. etc.”.
“Pois não, coronel, o que o senhor quer mesmo saber?”.
“Ah, Oldemário, eu só queria saber se isso aconteceu mesmo, afinal de contas...”.
“Coronel, parabéns! Seu subordinado não mentiu. Agora, o senhor faz o seguinte: o senhor vai tomar no cu que eu tenho mais o que fazer”.

O SAMBA DE BREQUE QUE FALA NO CADERNO B


Nestes minutos em que começo a contar mais algumas histórias do Jornal do Brasil, que assisti ou me contaram, um avião particular acaba de cair na Baía da Guanabara. Quem me deu a notícia foi o Romildo Guerrante, com quem eu falava pelo telefone no momento da queda. Romildo fechava um jornal na Avenida Beira Mar, ali pertinho do Santos Dumont, e pela janela acompanhou o pouso forçado nas águas do Flamengo. Em instantes, entro no G1 e o flash do desastre já está no portal de notícias, com foto do mais-pesado-que-o-ar nadando no mar, porém inteiraço. Felizmente, ninguém morreu. Os jornalistas que trabalham na grande rede terão muito que falar sobre estes tempos da internet a lenha.
Veja, ilustre passageiro, a foto que ilustra esta página virtual. São teclas de uma antiga máquina de escrever. Por serem em geral teclas pretas, o pessoal da antiga as chamava de pretinhas. Faziam muito barulho quando eram batucadas e integravam a trilha sonora das redações de jornais junto com outros sons característicos: esporros das chefias, pigarros e tosses dos fumantes que constituíam a maioria dos internos naquelas casas de loucos, gargalhadas de diferentes calibres e, no início da modernidade, guinchos de impressoras, entre outras algaravias.
Agora que você entrou no clima, mais umas historinhas, ao som deste samba-de-breque maneiro que fala do JB, do Caderno B e da Condessa Pereira Carneiro, cantado por João Nogueira e enviado para este blog por Roberto Dufrayer. Saca a letra:
“Eu de chinelo charlote/ meu chapéu copa norte/ meu blusão de voil/ (não tinha ainda de tergal)/ cordão bem fininho/ na medalha um bom santinho/ trabalhado em metal/ (era São Jorge, o maioral)/ cristão e umbandista/ eu tinha o meu ponto de vista/ meu padrinho era Ogum/ (não tinha santo mais nenhum)/ só dava eu com a Judite/ aos domingos no Elite/ e às sextas no Mil e Um/ (era traçado em vez de rum)/ E enquanto a nêga não vinha/ era uma boa cervejinha/ com a rapaziada/ (salta uma loura bem suada)/ depois do basquete/ era bater na bola sete/ e caprichar na tacada/ (olha a menina encaçapada)/ Mas eu de sambista/ tive que ser jornalista/ pra me valorizar/ (passei no tal vestibular)/ e agora veja só você/ trabalho no Caderno B/ critico samba popular/ (seu Tinhorão vem devagar)/ Um dia então fui chamado/ convidado pra jurado/ de julgar samba-enredo/ (confesso até que tive medo)/ no meio da quadra/ apareceu um camarada/ com jeitão de Ipanema/ (era um artista de cinema)/ chegou-se pra mim/ foi dizendo logo assim/ "sou diretor de carnaval"/ (até aí nada de mal...)/ esse é o samba dos cartolas/ vai dar grana pra escola/ de direito autoral/ (toca na Rádio Mundial)/ Se é coisa que eu não adoto/ é nêgo cabalando voto/ na maior cara de pau/ e o samba de sobra/ era um tremendo boi com abóbora/ rimava açúcar com sal/ antes de eu virar a mesa/ pra acabar com a safadeza/ foi armado um trelelê/ (era judô e karatê)/ e o tal do branco cabeludo/ me deu tanto do cascudo/ que eu nem sei mais escrever/ (tá pensando que eu sou telha?)/ Dona Condessa aborrecida/ me expulsou do JB/ (veja você...)”

terça-feira, 27 de julho de 2010

DIVAS ENSANGUENTADAS NO BANHEIRO DA RÁDIO


Em 1973, com ditadura e milagre econômico, os jornais eram proibidos de quase tudo. Foi o ano em que comecei na profissão, trabalhando em dois jornais. Das 9 ou 10 da manhã até 4 da tarde, no Diário de Notícias, e das 5 até 10/11 da noite, no Jornal do Brasil.
Foi um breve período, pouco mais ou menos de um ano no nº 114 da Rua do Riachuelo, mas tão estimulante quanto meu começo no JB. Talvez ainda mais porque no DN fui estagiário, depois repórter da Geral, ganhando... o quê mesmo? Ah, sim! Ganhando experiência.
Salário não havia. O jeito era recorrer a vales, que eu peguei poucos, pois tinha medo de ouvir um não. O jornal, apesar de dirigido por gente íntegra, a começar pelo chefe da redação Múcio Borges, a amabilidade em pessoa, não tinha dinheiro para pagar todo mundo, ainda mais gente nova e inexperiente, que devia estar agradecida por ganhar cancha.
Passei um período fazendo polícia, ora era escalado para cobrir assuntos religiosos (nas férias da Marinilda Marchi, o nome da bela na época), ora fazendo matérias para outras editorias.
Eu tentava caprichar tanto nos lides que a coisa não fluía. Tinha que ouvir calado gozações maravilhosas como a de certo editor chamado João Rath: “Elegancinha, você é um gê-ni-o! Há muito tempo não vejo esse erro!”. Mas essa história já contei em algum lugar aí pra trás, neste mesmo blog. Ou de ter a primeira matéria assinada (sobre o pintor João Câmara) totalmente reescrita por outro colega, o tcheco Luís Carlos Cabral.
Enfim, eu devia melhorar. Como melhorar? Arranjando rapidamente um furo de reportagem. Acho que eu sonhava com o editor-chefe gritando “Parem as rotativas! Parem as rotativas!”. Se não sonhei com isso, deveria.
Eis que, do nada, surgiu minha oportunidade. Estava de plantão no jornal, acho que num sábado, quando bateu o telefone. A linha estava péssima mas deu para ouvir um pesquisador ensandecido dizendo que Emilinha Borba e Marlene estavam jogadas no chão de um banheiro da Rádio Nacional.
A ligação caiu e o sujeito não tornou a ligar. Mas a afobação de iniciante não estava nem aí para confirmação de algo que eu já via estampado na primeira página. E a imaginação fértil do mesmo iniciante fez o resto. Eu sabia desde criancinha da disputa encarniçada entre as duas cantoras e seus respectivos fãs-clubes e pensei logo no pior.
O pior era o melhor para mim: um furo.
Pedi fotógrafo e motorista e seguimos para a Praça Mauá nº 7. O porteiro, que devia ser também um novato, auxiliar de portaria escalado para trabalhar no fim de semana, ficou assustado quando perguntei se as rainhas do rádio haviam saído no tapa e estavam se esganando no chão do banheiro da emissora.
Como viu que eu estava acompanhado por um sujeito fortão, o fotógrafo Lúcio Marreiro (que não acreditou na história, mas assim mesmo foi na onda para curtir com a cara do foca), e que havia um carro de reportagem na porta, nos deixou entrar.
Não sei como, ninguém nos parou, ainda não havia essa frescura de crachá sendo pedido a todo instante. Fomos até o andar da emissora. Passamos pelo auditório, uns e outros que estavam em um estúdio pareceram estranhar, mas também não ficaram no caminho.
“O que vocês devem estar procurando está logo ali”, disse um camarada de cabelo ruivo, com certeza pintado, quase sussurrando. Era a minha fonte, com certeza.
Chegando ao local do crime, o tal banheiro, nenhum vestígio de divas ensangüentadas. Mas realmente estávamos diante de um crime: rolos de gravação e documentos apodrecidos empilhados entre a latrina e a pia. O fotógrafo explodia de tanto rir. A matéria só foi sair na terça ou quarta-feira seguinte, como nota de colunão, para irritação do meu chefe de reportagem, o gente boa Alfredo Schleumer, que fez questão, no dia seguinte, de me entregar duas cartas de leitores indignados com aquilo. Um deles sugeria que aquelas caixas e rolos fossem imediatamente levados para o Museu da Imagem e do Som, que incorporou no ato o acervo fedendo a xixi.
Não durei muito no emprego. Logo arranjei outro, numa agência de notícias, onde eu recebia, sim, todo final de mês, além de continuar na Editoria Internacional do JB.
Foi uma boa saída, apesar da opinião contrária do meu chapa João Batista de Abreu, que foi para o Diário de Notícias dias depois de minha saída.
"Por que você não volta pra lá? Entrou um grupo novo, com dinheiro. Quem manda agora é o Olímpio Campos".
Até deu vontade.
Semanas depois perguntei ao João Batista como estava no emprego do DN.
"Tá ótimo, tô aprendendo muito, fui até aumentado em 30%!".
Êpa! O que foi que eu perdi...
"Só tem uma coisa, Zé", fez questão de dizer o João. "Fui aumentado em 30% e devo ter outro aumento qualquer dia desses, mas o Olímpio não paga!".
Escapei, assim, de entrar na famosa fila do banco dos credores do Olímpio, onde só recebia o primeiro da fila. Quem chegasse primeiro ao guichê, levava.
O novo chefão do velho jornal dos militares e das professoras inventou o famoso "cheque olímpico". Só recebia o papel quem corria e chegava na frente.
Na vitrolinha Philco, "Fanzoca do rádio", de Miguel Gustavo, na voz do palhaço Carequinha.
Extra! Extra! O blogueiro se enganou. Os horários não conferem. De manhã eu tinha aula na UFF. Entrava no DN pouco depois do meio-dia (saía um pouco mais cedo da última aula, quando tinha aula, e partia voado de Niterói para a Riachuelo). Quando surgiu a oportunidade de me profissionalizar no Diário de Notícias, fiquei só mais um mês, porque estava de férias escolares. Saí logo depois. O horário da agência era quase o mesmo do estágio, com uma hora a mais (cinco horas) e por isso deu pra ter esse segundo emprego no tempo do IACS. A idade é uma eme.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O JORNAL DO BRASIL VALE UMA FEIJOADA. CADÊ A BENA?


Quem inventou o pescoção não sei, mas lembro da noite de sexta-feira em que começou esse trabalho que avançava a madrugada. O Globo já havia lançado a edição de domingo e o Jornal do Brasil, no acerto que os dois diários mais importantes da cidade fizeram, passou a circular também às segundas-feiras. Uma marca desse período foi o lançamento do caderno de Esportes às segundas com a coluna de Carlos Eduardo Novaes dando palpites sobre a Loteria Esportiva, que também era coisa recente. Isso aconteceu no início dos anos 70.
Não havia salário-ambiente (*) que compensasse o desgaste de adiantar a edição dominical do JB logo após o fechamento do jornal de sexta. A grita foi enorme, a frustração tomou conta do povo do JB, mas as piadas também não demoraram. Uma delas do Poli, contínuo da Editoria Internacional, cujo nome completo é Alcides Hipólito da Boa Morte.
Poli era um figuraço. Como o jornal, com raríssimas exceções, só tinha adversários da ditadura, divertia-se elogiando o general de plantão.
“O Médici é um homem bom. Quer o bem do Brasil e de nós todos. Melhor do que ele só esse que vem aí, o Geisel. Dizem que é uma pessoa muito legal e educada”.
Quando soube do pescoção, mandou esta, com aquela voz rouca de malandro da Penha:
“O doutor Brito só está querendo o bem de todos. Quer ver vocês com saúde. Acabou a história de biritar nas noites de sexta-feira. Assim vocês acabam doentes, vão morrer cedo. O homem é bão demais com a gente”.
Quem disse que a farra das sextas ia terminar assim, a seco?
O pessoal da Economia tomou a frente e espalhou por um mesão vinhos e queijos. Ideia do subeditor da Economia Luiz Larqué que a dupla de editores da Internacional, Renato Machado e Luiz Mário Gazzaneo, copiou de bate-pronto. Foi a primeira vez que vi um croissant na vida. Fazia confusão com o tal do escargot. Outro viralata, o redator Osvaldo Maneschy, quase foi demitido por levar duas bisnagas e 200 gramas de mortadela.
Os vinhos eram de excelente qualidade, coisas do chefe Renato, que em breve se tornaria autoridade no assunto. Os banquetes na Economia e na Internacional atraíam o povo de outras editorias, onde a ideia foi aperfeiçoada pelo pessoal que preferia os líquidos.
No Copidesque, Joaquim Campelo malocava na gaveta uma garrafinha de tiquira, aguardente do seu Maranhão natal.
Roberto Alvarenga preferia descer a intervalos regulares e, dentro de seu carro, no “Globo no Ar” (o estacionamento do jornal tinha esse apelido), bebericava o Underberg velho de guerra.
Na Geral, Carlos Rangel punha um copo cheio sobre a mesa. Parecia Coca-Cola. E era. Misturada com cachaça. O popular Samba em Berlim.
Certa noite de sexta, o banquete aconteceu depois de meia-noite, por iniciativa de duas queridas colegas – Maria Ignez Duque Estrada, que emprestou sua casa de vila no Jardim Botânico, e Benalva Vitório, que preparou uma feijoada com tempero africano.
A santista Benalva, grande figura trazida para o jornal pelo editor Juarez Bahia, era recém-casada com o Max, ex-guerrilheiro que virou comandante da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – hoje próspero empresário em Portugal. A Bena incrementou a feijoada com ingredientes trazidos da África Oriental. Cerca de 50 pessoas deram as caras no Jardim Botânico. A feijoada foi servida por volta de 1h da manhã. Saímos para fazer o quilo no calçadão do Leblon ou de Ipanema e, lá pelas 4h, voltamos para mandar ver o segundo prato. Foi a melhor feijoada que comi até hoje.
Isso só acontecia no velho JB, que chegou ao fim. Fiquei sabendo que hoje à noite, no programa Observatório da Imprensa, o Alberto Dines vai exibir trechos do documentário “Avenida Brasil, 500”, que Regina Zappa, Sérgio Sbragia e Rogério Reis estão fazendo sobre esse jornal de tantas histórias.
(*) Salário-ambiente é uma expressão inventada pelo pessoal do JB, onde não se trabalhava somente pelo dinheiro, mas também pelo clima legal daquela Redação. Claro que isso ficou no passado a partir dos anos 90, quando o jornal foi arrendado.

domingo, 18 de julho de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA FOTO E MIL PALAVRAS

Não vai dar certo esse negócio de um advogado, teoricamente pago pelo goleiro, defendendo todos os suspeitos. A operação para fazer do Bruno o menos culpado de todos pode não dar certo, mas será pelo menos tentada. Já tem gente mudando o depoimento.
Teoricamente pago porque o dinheiro do Bruno já deve estar chegando ao fim. Ainda mais agora que se sabe onde ele pode ter também deixado sua grana: na conta de outro suspeito, o Macarrão.
O fato positivo, se é que existe, nesse episódio macabro, foi a decisão do Flamengo de alterar a forma de seus contratos. Os outros clubes brasileiros deviam fazer o mesmo. No entanto, o Flamengo podia ter ido mais longe e estendido a cláusula sobre imagem para todos os atletas, dirigentes e funcionários. E o tal cartola suspeito de pedofilia? Não se fala mais nisso, seja para confirmar ou desmentir a boataria?
Pedófilos sempre foram ervas daninhas no esporte. No futebol de praia, era um horror. Cresci ouvindo histórias patéticas sobre garotinhos escalados para os times porque caíam nas boas graças do treinador, se é que me faço entender. O caso mais rumoroso envolvia um técnico do Lá Vai Bola, equipe do Posto 6 de Copacabana.
Tá bom, isso foi nos anos 60. Mas nos anos 70 e 80 continuei ouvindo as mesmas histórias, inclusive no futebol de campo. Pra não dizerem que estou falando mal do Flamengo, houve um caso semelhante no Botafogo, quando uma diretoria resolveu incorporar a seus quadros um ex-dirigente do São Cristóvão.
Outra coisa estranha nessa novela do Bruno é o tratamento que alguns jornais dão às marias-chuteiras. O cara é casado, mas tem um monte de ex-noivas. A que morreu, coitada, quase sempre é chamada de ex-amante.
Pra encerrar: a foto da capa do jornal "O Dia" de hoje, sob o título "Bruno e Macarrão viviam uma relação de ciúme doentio". O que dizer em mil palavras aquilo que uma foto apenas não tenha contado?

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A HUMANIDADE É INVIÁVEL?

Os crimes da minha infância eram poucos. Crimes violentos? A gente levava anos para saber de algum. O caso da Fera da Penha, que matou uma criança, filha de seu amante (ou amásio, como diziam a “Luta Democrática” e “A Notícia”), foi assunto durante décadas.
O assassinato de Aída Cury, estuprada e lançada do alto de um prédio na Zona Sul, assombrou muita gente, porém menos que o caso da menininha morta pela mulher rejeitada.
O maior bandido da minha infância, Mineirinho, era um pobre coitado. Ganhou fama por causa do calibre de sua arma, uma 45, mas não por maldades gratuitas. Assaltava casais na Vista Chinesa, levava o dinheiro e o Fusca, mas os namoradinhos saíam ilesos. Cara de Cavalo ganhou destaque por ter matado o policial mais temido do Rio de Janeiro. Foi morto com cento e tantos tiros.
Uma vez, no Globo, contribuí para uma matéria, em parceria com Antônio Werneck, que tinha como título “De Mineirinho a Uê, os inimigos públicos nº 1 do Rio de Janeiro”. A coisa realmente foi piorando a partir dos anos 80.
A Fera da Penha cometeu seu crime bárbaro no início dos anos 60. Antes dela, o símbolo maior da crueldade em terras cariocas foi um doente mental chamado Febrônio Índio do Brasil, que 40 anos antes, na década de 1920, estrangulava adolescentes que resistiam a suas investidas homossexuais.
Amantes desalmadas, tarados enfurecidos, playboys drogados eram as referências que tínhamos de criminosos sádicos. Pais não matavam filhos, crianças não matavam pais, ídolos davam bons exemplos. Não sou, como canta Paulo César Pinheiro, do tempo das armas.
E a gente levava anos para saber de alguma crueldade. O intervalo caiu bastante, no Brasil e no mundo. Os casos de Daniela Perez e Isabella Nardoni foram apenas dois entre muitos. Ainda estupefatos (não existe outra palavra que diga tanto sobre a reação a esse tipo de coisa) com o caso Bruno, leio hoje no G1 que uma adolescente brasileira de 15 anos é suspeita de ter incinerado os pais e a irmã na cidade de Takarazuka, no Japão.
Lembro de um tempo, em minha segunda temporada no Jornal do Brasil, início dos anos 90, em que era responsável por certa página da Editoria Nacional que, volta e meia, respingava sangue. Um dia, na reunião de pauta da tarde, quando chegou minha vez de enumerar os assuntos do dia, o editor Orivaldo Perin tascou:
– E aí? Qual é a de hoje na página “A humanidade é inviável”?

terça-feira, 18 de maio de 2010

PAJELANÇA NO FOGÃO: NO CARDÁPIO, EM BREVE, O MESSI

Em mais uma comemoração pela conquista do título estadual de 2010, jornalistas apaixonados pelo Botafogo de Futebol e Regatas almoçaram no restaurante de General Severiano, o Fogão Gastronômico, cheio de fotos dos grandes craques do Glorioso. Foi um grande dia, não só porque revi tantos e excelentes colegas – Penido, Maurício, Lau, JB, PC, Gehreim, Porto, Diogo, Fábio, Bernardo, Nilson, Molica, Ivan, Sergio, Falcão e o assessor de imprensa do clube, Márcio Tavares, entre tantos.
O motivo principal é que o Botafogo, na minha opinião, está muito bem entregue. Ouvi do presidente Maurício Assumpção e do diretor Thiago Cesário Alvim relatos sérios sobre como o clube está sendo administrado. Sem conversa mole e sem historinhas.
Tá certo, vou contar só um dos temas abordados: além do Maicossuel e do Jobson, outra contratação praticamente certa é a do Messi – se não fizer besteira no Mundial. De onde vai vir a grana? Da megassena que vou ganhar nesta quarta-feira ou, no mais tarde, na extração de sábado. Caso não dê certo, meu plano B é o frila que farei para uma publicação do grupo EBX, mas isso ainda é segredo, inclusive para o Eike Batista.
Na foto acima, alguns dos convidados, em torno do monstro sagrado Luiz Mendes. Na foto abaixo, o papagaio de pirata que vos escreve ao lado do presidente Maurício Assumpção, sujeito homem que hoje tive o prazer de conhecer.

domingo, 24 de janeiro de 2010

CARTA DA LEITORA ANITA AO GLOBO. COM SANFONA


"Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:
Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.
A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.
Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.
Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes

RJ, 13/01/2010".
Na sanfona virtual de Luiz Gonzaga, "Vozes da seca".

sábado, 9 de janeiro de 2010

DALVA E HERIVELTO: O TESTEMUNHO DO VARELA


Não sou chegado a novelas e nem mesmo às minisséries. Acho que estas já foram melhores, na mesmíssima Globo. “Dalva e Herivelto”, por exemplo, um puta enredo, poderia ter capítulos mais longos e mais uma ou duas semanas de duração. Falo como telespectador: acho que esta história está sendo contada com pressa, nas coxas. Mas nem por isso me privei de assisti-la. Claro que estou gostando: é um resgate dos anos dourados do rádio. Pronto. Só isso justifica. Adorei a exposição do mau-caratismo do David Nasser, letrista inspirado e escroque do jornalismo. E, mais do que tudo, o mergulho de Adriana Esteves na personagem.
O motivo desta postagem é contar outra história, escrita por alguém que esteve no hospital São Lucas, onde a cantora foi internada. Eduardo Varela, que foi repórter da Rádio Nacional e do Globo antes de virar publicitário e professor da UFF, dá um testemunho importante sobre aqueles que foram os últimos momentos de vida de Dalva de Oliveira. É uma narrativa bem ao jeito do Varela. O DNA do texto está em todos os parágrafos, sobretudo no final. Com direito a um comentário genial de outro amigo a quem o Varela enviou o texto por e-mail, um dia desses.
Com vocês, Dalva de Oliveira e o texto de Eduardo Varela. Ao som de "Fim de comédia", de Ataulfo Alves:

“Dias antes de morrer a Estrela Dalva – ela estava internada direto num hospital de Copacabana – um repórter de uns 22 anos, primeiro emprego e poucas saídas para coisas importantes, recebeu a incumbência de registrar alguma coisa nova no panorama que se arrastava tristemente para o fim: a cantora ia mal, piorava e não morria, atrasando os necrológios feitos por todas as rádios do Rio de Janeiro. A ordem fora deixada à tarde; o repórter chegou, pegou um desajeitado gravador a tiracolo e foi pro hospital.
Lá, coleguinhas disputavam nos corredores uma entrevista com artistas, com o filho da estrela, Peri Ribeiro, e com quem mais importante chegasse. O foca, envergonhado com o tamanho do gravador, resolveu escondê-lo na portaria e ficou andando pelo corredor, no meio do qual estava o quarto da paciente. Ouvido atento, soube de uma enfermeira que ela sofrera várias hemorragias e precisava de sangue.
Assim, deslizou suavemente para as proximidades do quarto – a ausência do gravador ajudava nisso – entreolhou o que ia lá dentro e esperou uma chance, que chegou meia hora depois. Peri, o próprio Peri, ajoelhou-se no corredor, pensativo, ao lado do repórter que, cautelosamente, falou com ele estas possíveis palavras:
“Peri, soube que a Dalva precisa de sangue, é verdade?”.
Ele olhou o moço sem saber o que este fazia ali, talvez fosse um fã, um empregado da casa...
“Sim, outra hemorragia, ontem...”.
“Olha – disse o garoto – quem sabe se a gente fizer um anúncio na Rádio Nacional as pessoas acudam e não haja problema de doação? Sua mãe foi uma das maiores estrelas da Nacional, quem sabe!?”.
O cantor coçou o queixo e fez uma cara de interrogação (“como?”), o que fez o outro se identificar:
“Sou repórter da Nacional, deixei um gravador na portaria, você faz um pedido e quem sabe o problema será resolvido; e aí?”.
Peri Ribeiro chamou o irmão – este é que parecia decidir as coisas por ali – cochichou com ele, voltando-se para o foca com um olhar triste e condescendente, não precisou falar. O rapaz atravessou o salão sob o olhar curioso de alguns colegas e voltou com o imenso gravador de rolo, ajoelhando-se ao lado dos filhos da cantora. O pedido, feito por Peri, não tinha um minuto de duração, mas era claro, não será preciso escandi-lo. O repórter voltou à rádio, preparou a matéria, entregou ao editor com o texto retirado do gravador e foi embora. Tinha prova na universidade onde era aluno de Jornalismo.
No dia seguinte, ao chegar ao trabalho por, volta do meio-dia, encontrou o diretor da emissora (o velho e exagerado Arakem Távora) de pé, à frente de todos os repórteres da tarde, alguns dos tempos de ouro da Nacional, e ouviu assustado o primeiro elogio de sua curta vida de jornalista, algo assim:
“Que sirva pra todo mundo. Esse garoto está aqui há poucos meses e teve a coragem de enxergar uma notícia onde ninguém viu. A gravação vai ao ar de hora em hora, o hospital está jorrando sangue. Parabéns!”.
Vendo agora a minissérie da Globo e as cenas – irretocáveis – feitas no quarto do hospital onde a estrela padecia, aquele repórter (61 anos e com o pau ainda duro) estica a cabeça para ver na TV se aparece o corredor e, encostado na parede em frente, um jovem de 22 anos assustado e inseguro com o que tinha feito”.

O texto do Varela termina aqui. E o comentário a quem me referi na introdução, de outro jornalista e professor da UFF, João Batista de Abreu, em resposta ao e-mail do nosso amigo comum, diz o seguinte:
“Varela,
Gostei muito da história. Estava acreditando até aquela referência ao pau duro, aos 61 anos.
Aí vi que era ficção.
Abraços,
JB”.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

UM OLHAR SOBRE NOSSA IMPRENSA

Esse artigo foi escrito pelo jornalista Emiliano José e repassado para este blog por meu chapa Cezar Motta. Saiu um dia desses na Carta Capital. Infelizmente, e creio que não falo só por mim, mas por centenas de colegas de profissão com muitos anos de praia, a crítica é perfeita.


"Eu estava na ante-sala de uma médica, em Salvador. Sábado, dia 29 de agosto. E apenas por essa contingência, dei-me de cara com uma chamada de primeira página - uma manchetinha - da revista Época, já antiga, de março deste ano de 2009: "A moda de pegar rico" - as prisões da dona da Daslu e dos diretores da Camargo Corrêa.
Alguém já imaginou uma manchete diferente, e verdadeira como por exemplo, A moda de prender pobres? Ou A moda de prender negros? Não, mas aí não. A revolta é porque se prende rico. Rico, mesmo que cometendo crimes, não deveria ser preso.
Lembro isso apenas para acentuar aquilo que poderíamos denominar de espírito de classe da maioria da imprensa brasileira. Ela não se acomoda - isso é preciso registrar. Não se acomoda na sua militância a favor de privilégios para os mais ricos. E não cansa de defender o seu projeto de Brasil sempre a favor dos privilegiados e a favor da volta das políticas neoliberais. Tenho dito com certa insistência que a imprensa brasileira tem partido, tem lado, tem programa para o País. E, como todos sabem, não é o partido do povo brasileiro. Ela não toma partido a favor de quaisquer projetos que beneficiem as maiorias, as multidões. Seus olhos estão permanentemente voltados para os privilegiados. Não trai o seu espírito de classe. Isso vem a propósito do esforço sobre-humano que a parcela dominante de nossa mídia vem fazendo recentemente para criar escândalos políticos. E essa pretensão, esse esforço não vem ao acaso. Não decorre de fatos jornalísticos que o justifiquem.
Descobriram Sarney agora. Deu trabalho, uma trabalheira danada. A mídia brasileira não o conhecia após umas cinco décadas de presença dele na vida política do país. Só passou a conhecê-lo agora, quando se fazia necessário conturbar a vida do presidente da República. O ódio da parcela dominante de nossa mídia por Lula é impressionante. Já que não era possível atacá-lo de frente, já que a popularidade e credibilidade dele são uma couraça, faça-se uma manobra de flanco de modo a atingi-lo. Assim, quem sabe, terminemos com a aliança do PMDB com o PT.
Não, não se queira inocência na mídia brasileira. Ninguém pode aceitar que a mídia brasileira descobriu Sarney agora. Já o conhecia de sobra, de cor e salteado. Não houve furo jornalístico, grandes descobertas, nada disso. Tratava-se de cumprir uma tarefa política. Não se diga, porque impossível de provar, ter havido alguma articulação entre a oposição e parte da mídia para essa empreitada. Talvez a mídia tenha simplesmente cumprido o seu tradicional papel golpista.
Houvesse a pretensão de melhorar o Senado, de coibir a confusão entre o público e o privado que ali ocorre, então as coisas não deviam se dirigir apenas ao político maranhense, mas à maior parte da instituição. Só de raspão chegou-se a outros senadores. Nisso, e me limito a apenas isso, o senador Sarney tem razão: foi atacado agora porque é aliado de Lula. Com isso, não se apagam os eventuais erros ou problemas de Sarney. Explica-se, no entanto, a natureza da empreitada da mídia.
A mídia podia se debruçar com mais cuidado sobre a biografia dos acusadores. Se fizesse isso, se houvesse interesse nisso, seguramente encontraria coisas do arco da velha. Mas, nada disso. Não há fatos para a mídia. Há escolhas, há propósitos claros, tomadas de posição. Que ninguém se iluda quanto a isso.
Do Sarney a Lina Vieira. Impressionante como a mídia não se respeita. E como pretende pautar uma oposição sem rumo. É inacreditável que possamos nós estarmos envolvidos num autêntico disse-me-disse quase novelesco, o país voltado para saber se houve ou não houve uma ida ao Palácio do Planalto. Não estamos diante de qualquer escândalo. Afinal, até a senhora Lina Vieira disse que, no seu hipotético encontro com Dilma, não houve qualquer pressão para arquivar qualquer processo da família Sarney - e esta seria a manchete correta do dia seguinte à ida dela ao Senado. Mas não foi, naturalmente.
Querem, e apenas isso, tachar a ministra Dilma de mentirosa. Este é objetivo. Sabem que não a pegam em qualquer deslize. Sabem da integridade da ministra. É preciso colocar algum defeito nela. Não importa que tenham falsificado currículos policiais dela, vergonhosamente. Tudo isso é aceitável pela mídia. Os fins, para ela, justificam os meios.
Será que a mídia vai atrás da notícia de que Alexandre Firmino de Melo Filho é marido de Lina? Será? Eu nem acredito. E será, ainda, que ele foi mesmo ministro interino de Integração Nacional de Fernando Henrique Cardoso, entre agosto de 1999 e julho de 2000? Era ele que cochichava aos ouvidos dela quando do depoimento no Senado? Se tudo isso for verdade, não fica tudo muito claro sobre o porquê de toda a movimentação política de dona Lina? Sei não, debaixo desse angu tem carne…
Mas, há, ainda, a CPI da Petrobras que, como se imaginava, está quase morrendo de inanição. Os tucanos não se conformam, E nem a mídia. Como é que a empresa tornou-se uma das gigantes do petróleo no mundo, especialmente agora sob o governo Lula e sob a direção de um baiano, o economista José Sérgio Gabrielli de Azevedo? Nós, os tucanos, pensam eles, fizemos das tripas coração para privatizá-la e torná-la mais eficiente, e os petistas mostram eficiência e ainda por cima descobrem o pré-sal. É demais para os tucanos e para a mídia, que contracenou alegremente com a farra das privatizações do tucanato.
Acompanho o ditado popular “jabuti não sobe em árvore”. A CPI da Petrobras não surge apenas como elemento voltado para conturbar o processo das eleições. Inegavelmente isso conta. Mas o principal são os interesses profundos em torno do pré-sal. Foi isso ser anunciado com mais clareza e especialmente anunciada a pretensão do governo de construir um novo marco regulatório para gerir essa gigantesca reserva de petróleo, e veio então a idéia da CPI, entusiasticamente abraçada pela nossa mídia. Não importa que não houvesse qualquer fato determinado. Importava era colocá-la em marcha. Curioso observar que a crise gestada pela mídia com a tríade Sarney-Lina-Petrobras, surge precisamente no mesmo período daquela que explodiu em 2005. Eleições e mídia, tudo a ver. Por tudo isso é que digo que a mídia constitui-se num partido. Nos últimos anos, ela tem se comportado como a pauteira da oposição, que decididamente anda perdida. A mídia sempre alerta a oposição, dá palavras-de-ordem, tenta corrigir rumos.
De raspão, passo por Marina Silva. Ela sempre foi duramente atacada pela mídia enquanto estava no governo Lula. Sempre considerada um entrave ao desenvolvimento, ao progresso quando defendia e conseguia levar adiante suas políticas de desenvolvimento sustentável. De repente, os colunistas mais conservadores, as revistas mais reacionárias, passam a endeusá-la pelo simples fato de que ela saiu do PT. É a mídia e sua intervenção política. Marina, no entanto, para deixar claro, não tem nada com isso. Creio em suas intenções de intervenção política séria, fora do PT. Neste, teve uma excelente escola, que ela não nega.
Por tudo isso, considero essencial a realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Por tudo isso, tenho defendido com insistência a necessidade de uma nova Lei de Imprensa. Por tudo isso, em defesa da sociedade, tenho defendido que volte a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista. Por tudo isso, tenho dito que a democratização profunda da sociedade brasileira depende da democratização da mídia, de sua regulamentação, de seu controle social. Ela não pode continuar como um cavalo desembestado, sem qualquer compromisso com os fatos, sem qualquer compromisso com os interesses das maiorias no Brasil".
Emiliano José

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

CIDADÃOS DOS PAÍSES RICOS SÃO TODOS NACIONALISTAS

O autor desta frase (na foto, lembram dele?) não é aliado do governo Lula (longe disso).
A frase foi escrita nesta segunda-feira, na Folha de S. Paulo.
O texto defende o modelo proposto pelo governo para a exploração do petróleo abaixo da camada de sal que se estende por uma área de 150 mil quilômetros quadrados, do litoral capixaba ao catarinense.
É um artigo crítico, ao governo e, principalmente, à oposição.
Leia tudo e veja quem o assina.

O pré-sal e a nação

"Ao criticar o governo Fernando Henrique Cardoso no lançamento dos projetos do marco regulatório do pré-sal, o presidente Lula errou porque deu a um problema que deve unir a nação um viés político-partidário.
Errará também a oposição se adotar uma posição contrária ao cerne de um plano que é do maior interesse nacional.
Se a regulação do pré-sal continuar sob a legislação atual ou for malfeita, essa bênção da natureza pode se transformar em uma maldição, porque significará que não soubemos neutralizar a "doença holandesa" associada à abundância de petróleo.
O governo compreendeu esse fato, e, nesses dois anos, realizou os estudos necessários para evitar esse mal.
As três decisões que constituem o cerne de seu plano são a opção pelo sistema da partilha, a criação da Petro-Sal e a criação de um fundo soberano para receber os recursos da partilha.
Asseguradas essas três coisas, o Brasil terá a flexibilidade necessária para neutralizar a "doença holandesa" e promover o desenvolvimento nacional.
A opção pelo mecanismo da partilha, em vez do das concessões, está correta porque os riscos das empresas serão pequenos, e porque esse mecanismo facilita à nação se assenhorear das "rendas" do petróleo (os ganhos decorrentes da maior produtividade dos recursos naturais), ficando para as empresas exploradoras os lucros - os ganhos que dão retorno ao investimento e à inovação.
A legislação em vigor, de 1997, usou o mecanismo da concessão porque naquela época o risco era grande e o tema da "doença holandesa" não estava na agenda nacional.
Diante dos fatos novos, porém, não faz sentido apegar-se a ela.
O conservadorismo local, entretanto, está acusando os quatro projetos de "nacionalistas" e "estatizantes"?
Quanto ao primeiro epíteto, não é acusação, é elogio.
Os cidadãos dos países ricos são todos nacionalistas - tão nacionalistas que não precisam usar essa palavra para se distinguir uns dos outros.
Por isso, seus ideólogos podem usar essa palavra de forma pejorativa procurando, assim, neutralizar o necessário nacionalismo econômico dos países em desenvolvimento.
E o que dizer do epíteto de "estatizante" porque cria a Petro-Sal?
Isso também não faz sentido.
O Brasil já passou a fase em que o papel do Estado é o de realizar investimentos nas indústrias de base.
O setor privado já tem suficiente capital para isso e é reconhecidamente mais eficiente e mais inovador do que o setor estatal em produzir nos setores competitivos da economia.
A Petro-Sal será uma pequena empresa 100% estatal; não será operacional, mas proprietária das reservas.
Através dela poderemos ter o sistema de partilha com alíquotas flexíveis dependendo do preço internacional do petróleo.
Mas não será o plano "eleitoreiro"?
Será se o PSDB insistir em se opor a suas proposições básicas.
Não é a posição do governador José Serra, mas poderá ser a de muitos representantes do partido, que, se criticarem o cerne do plano, estarão se identificando com os interesses das empresas petrolíferas internacionais.
E, assim, fortalecerão eleitoralmente o candidato do governo.
Há certos problemas que não permitem tergiversação.
O Brasil já sofre os males da falta de neutralização da "doença holandesa" oriunda das exportações de ferro e de produtos agropecuários.
Se também não souber evitar a sobreapreciação muito maior que será proveniente de um pré-sal mal regulado, o processo de desindustrialização em marcha se acelerará, e seu desenvolvimento econômico estará definitivamente prejudicado".


Luiz Carlos Bresser Pereira
Economista, ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso

terça-feira, 1 de setembro de 2009

VOLTAM-SE AS VISTAS PARA O NOSSO PRÉ-SAL

Os grandes jornais prestaram hoje um excelente serviço a todos aqueles que acreditam ou passaram a acreditar que não vivemos num “país de merda”. Aquele país da piada que tem uma frase atribuída a Deus: “Não tem furacão nem terremoto, mas vocês vão ver o povinho que eu vou botar dentro dele”.
A manchete do Globo desta segunda-feira, 1º de setembro de 2009, é apocalíptica:

Regras estatizantes para pré-sal assustam o mercado!!!
Sem os pontos de exclamação, evidente, acrescentados aí em cima porque este era o objetivo do título: assustar os leitores.
O lançamento do pré-sal, principal assunto do dia, foi tratado pelo Globo como um lobisomem perambulando em madrugada de lua cheia na Rua do Ouvidor esquina com Rua do Mercado, um orangotango do Bornéu solto na calçada da Avenida Paulista nº 1.313, um vampiro pedófilo no parquinho da esquina, o estrangulador do Parque Xangai, a Fera da Penha, etc.
Assustar? Quem vai ser assustado? Um amigo meu, apaixonado pela filosofia alemã, citaria Schopenhauer: “As discussões são inúteis porque as pessoas só se convencem daquilo que elas querem se convencer”.
Nada melhor do que uma manchete bombástica e agressiva para nos fazer ler tudo o que foi espalhado e escondido nas páginas internas, no caso, nas páginas da editoria de Economia. Como escondido? Por dois motivos:
1. O pessoal da(s) Economia(s) me desculpe, mas nem todo leitor lê essa que é ou deveria ser, com certeza, a mais importante editoria de qualquer jornal. A não ser em casos como confisco de poupança, plano econômico heterodoxo, essas coisas que felizmente não existem mais, desde que deixamos de nos considerar ou nunca nos consideramos o povinho de um país de merda.
2. O Globo só enxergou o lançamento do pré-sal pelo (evidente, previsível, todos fariam isso se estivessem no poder hoje) aspecto político-eleitoral. Se o jornal fosse coerente com essa avaliação de política editorial, as matérias do pré-sal então teriam que começar na página 3, a mais nobre do primeiro caderno, onde começa o noticiário de Brasil.
Ah! Na capa não esqueceram de botar também na foto o Sarney e três manequins daquela grife ecológico-fundamentalista.
E aí? E o olho grande do Henry Ford em nossa borracha?
Espalhado ou escondido, tanto faz. O Globo bota suas matérias onde acha que deve botar. É um grande jornal, cheio de história, que começou hipernacionalista (“Voltam-se as vistas para a nossa borracha” foi sua primeira manchete de capa), cresceu como empresa sob a liderança de Roberto Marinho (sobretudo durante os governos militares) e, passado um longo período de linha dura em sua política de RH, hoje é um lugar certamente bem mais agradável de se trabalhar.
O Globo já teve outras linhas editoriais, mas nunca foi, não quis ser, nem sabe ser (tanto que abriu duas filiais justamente para isso) um jornal popular, do povão (ou do povinho).
Quanto tenta ser – foi o caso desta segunda-feira – não dá certo. Basta ler o lead da principal chamada da primeira página: “O lançamento das regras para exploração do pré-sal foi marcado por um tom nacionalista”. Se a intenção foi desqualificar o nacionalismo, lamento muito, mas os leitores, em sua maioria (o Ibope nunca fez pesquisa a respeito? Saudações alvinegras), são nacionalistas, sim.
E tem mais! Nacionalistas “atrasados”, daqueles que choram ouvindo os errrrrrrrres do Galvão Bueno, ao contrário deste blogueiro, que foi a favor da grande maioria das privatizações, e ainda assim se considera nacionalista, sim, e com muito orgulho.
Logo depois, ainda no lead, o jornal nos “informa” que o Brasil “entrou ontem numa nova fase de interferência do Estado na economia” (hahahahahaha, riria antigo adversário do jornal da Rua Irineu Marinho, assim mesmo, entre parênteses).
E por aí vai, passando pela criação da Petro-Sal (ótimo nome), a empresa que vai gerir o pré-sal, “fiscalizar e ditar o ritmo de produção e exploração das reservas”.
A direita e a esquerda infantil: uma aliança hilariante
O hilariante é que a Petro-Sal, tal como a Petrobras, vai nascer debaixo de muita oposição. Não é só o Globo que é contra. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Sindipetro, duas entidades que primam pelo esquerdismo infantil, também não gostaram da novidade. Para a turma do sindicato dos crachás verdes, quem não é Petrobras, é inimigo. Ô raça!
Outra frase sempre repetida por meu chapa chegado numa filosofia alemã: “As maiores inimigas da verdade são as ideologias”. A estupidez, a arrogância e a burrice são os ingredientes da nossa direita e da nossa esquerda.
O caso da recém-nascida Petrobrás do doutor Getúlio, ainda com acento agudo, é exemplar. A direita bateu o pé, felizmente em vão, contra os valores nacionalistas e esquerdistas que marcaram o nascimento da estatal. A direita, tal como a Folha de S. Paulo, costuma errar tanto ou até mais do que a esquerda.
Se não fosse contaminada por esses valores “nacionalistas e esquerdizantes”, a Petrobrás não seria o que é hoje. Ela cresceu e debaixo de muita torcida contra, muito fogo amigo, e o que mais irritou os chamados entreguistas dos anos 50 e 60 foi que os governos militares, sabiamente, concordavam com a esquerda pelo menos nisso.
E a esquerda? A esquerda até hoje (e o próprio Lula foi porta-voz disso, no discurso do lançamento do pré-sal em Brasília) não entendeu que o geólogo americano Walter Link, primeiro chefe de exploração da Petrobrás, só foi menos importante para a companhia do que o geólogo brasileiro que descobriu a Bacia de Campos. Até hoje, Mr. Link é citado como agente da CIA e outras besteiras por ter dito que o Brasil não tinha petróleo. Era isso o que constava do Relatório Link? Que nada. O ianque disse que não havia petróleo em terra em quantidades comerciais que justificassem a prospecção. E o que Mr. Link aconselhou? Que a Petrobrás procurasse petróleo no mar. A Petrobrás devia batizar uma de suas unidades com o nome de Walter Link.
A direita e a esquerda voltaram a errar e a acertar. A direita demitiu técnicos competentes da empresa por serem ou porque pareciam ser comunistas. A esquerda foi contra a quebra do monopólio estatal no novo ambiente globalizado. A esquerda não entendeu que foi justamente com a quebra do monopólio que a Petrobrás teve chance de provar que não tinha competidores à altura no mercado. E a direita não entende, hoje, que o modelo da partilha é o melhor para um país com reservas gigantescas que estão sendo descobertas.
Os maiores produtores mundiais de petróleo seguem esse modelo ou, no caso da Rússia, por exemplo (leiam os gráficos disponíveis no portal G1, basta procurar), adotam um sistema misto de partilha e concessão.
Foi para tentar esculhambar com esse modelo e com o que enxergou de excesso de nacionalismo que O Globo lançou o noticiário do pré-sal nas páginas 19 (abertura do caderno de economia) e seguintes, com um título engraçadinho:
De volta ao passado... ai,ai, ai...
As reticências e os ai-ais também foram colocados para exprimir melhor o que o autor do título quis transmitir ao leitor médio: desalento, nostalgia, anacronismo... ai, ai, ai! Esses caras atrasados não tomam jeito!
Só leitor dos contos da Carochinha vai deixar de enxergar na Petrobrás uma empresa de mercado e achar que o Brasil está de volta aos anos 1950.
“O petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro”.
Abstraindo o tom palanqueiro, essa frase do Lula, mantida no texto que procurou apresentar o modelo da partilha como sinônimo de atraso, diz outra coisa. O que o governo está propondo é outra coisa: é que o petróleo da camada pré-sal não será internacionalizado e que a maior parte dessa riqueza que essas reservas vão proporcionar em breve terá que ser revertida em favor da população, em forma de empregos e em investimentos em educação, ciência e tecnologia, habitação, etc.
Ah! Esse governo? – perguntará alguém que vota na oposição.
Não necessariamente. Os governos que efetivamente terão em caixa os primeiros resultados financeiros, quando o pré-sal deixar de ser pré. Governos que pensarem igual a este ou que sejam adversários do Lula e da herança getulista. Duvido muito que, uma vez no poder, queiram jogar fora os frutos que brotarão desse modelo.
Se não caírem novamente na besteira de subestimar a Petrobrás e sua ligação direta com o inconsciente nacional, se não inventarem moda, tipo mudar a razão social da empresa, americanizá-la, europeizá-la, vão se beneficiar daqui a 20 ou 30 anos das decisões que estão sendo tomadas agora. Nem todas acertadas, com certeza, mas isso fica por conta do Congresso, que vai votar algum dia as propostas que foram feitas no último dia de agosto de 2009.
Quem ainda não se deu conta, em breve vai cair a ficha de que a roda está girando e que o Brasil será o quarto maior produtor de petróleo do planeta, atrás apenas da Arábia Saudita, Iraque e Irã. E com muitas vantagens: aqui é e continuará sendo um país democrático, aqui temos carnaval, samba, chorinho, feijoada, bobó e Maracanã no domingo.
Tradução dos 9 mil caracteres que estão aí em cima:
– País de merda é o cacete!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ÀS VEZES É PRECISO TROCAR RAPIDINHO UM EDITORIAL



No dia 24 de agosto de 1954, o jornal "Notícias de Hoje", editado em São Paulo pelo Partido Comunista Brasileiro, tinha o editorial pronto. Quando chegou a notícia do suicídio, a edição foi refeita às pressas. Trocaram a manchete por um texto longo exaltando as qualidades do ex-ditador, sob o título "O povo chora a morte de seu Presidente". Só que alguém esqueceu de trocar o editorial, que seguia a mesma linha da primeira página. Ficou assim: no alto da capa, os comunistas se associaram ao povão na dor pela perda do estadista; no editorial "Farinha do mesmo saco", o Partidão falava a língua da direita udenista. Essa história me foi contada por um ex-repórter do "Notícias de hoje". "Foi a maior cagada que já vi em jornal", lembra o velho jornalista, que saiu pelas ruas de São Paulo enfurecido e, para não perder a viagem, jogou uns pedregulhos e quebrou a vitrine da Pan American. Getúlio Dornelles Vargas, com todos os seus defeitos, foi o presidente que inventou nossa infra-estrutura, criando a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a CSN, e de quebra as primeiras leis sociais que o povão nunca esqueceu. Daí a homenagem sonora com este samba-enredo, "O grande Presidente", de autoria do grande Padeirinho, cracaço da Estação Primeira de Mangueira, cantado por outro mestre, Martinho da Vila. É um laudatório? Pode ser, e daí? É carregado de sinceridade.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

VAGA EM GOIÂNIA PRA ACESSOR QUE SABE FAZÊ RELIZING

Recebi de uma amiga (e ex-colega da UFF) esta pérola enviada para sua caixa postal por uma dessas agências de emprego da internet.
O indigente que oferece emprego realmente precisa de um assessor, mas não precisa de nenhum desses "intelequituais de diproma".
Basta ter completado o ensino médio! Se passar disso, com certeza, vai deixar o chefe em apuros, pois o chefe, com certeza, é um asno.
Uma das tarefas do escravinho ou escravinha é preparar um breve "relizing" - para quem não sabe, é palavra da língua inglesa e não tem nada a ver com release. Esse tipo de "acessor" só precisa mesmo é ficar atento para não errar a razão social do cliente. Vai que o cara ou a madame tenham trocado de nome, a conselho de algum numerologista. Vamos que o cliente seja essa artista baiana, a Cláudia Leitte. Já imaginou se no "relizing" ela vira Leite de novo?
Outro detalhe interessante é que o futuro funcionário precisa entrar em contato com assessores de imprensa de jornais e revistas, ah sim!
E a foto no anúncio diz tudo: se for mulher, loura e com cara de gostosa, o emprego tá garantido!
Tirei o nome de minha chapa e substituí por outro que inventei na hora. Qualquer semelhança é semelhança mesmo. Tem muitos homônimos.

Olá, GILMAR MENDES!
Detectamos que existem vagas que se encaixam com seu perfil profissional.
1 Vaga - Assessor(a) de Imprensa (Anúncio Nº 435015)
Escolaridade: Ensino Médio Completo.
Atividades a serem desenvolvidas:
  • Contato com empresas e políticos para agendamento de entrevistas;
  • mapeamento, administração / controle da agenda de entrevistas;
  • preparar breve relizing com histórico do entrevistado e sugestões para perguntas;
  • celebrar convênios e acompanhamento com municípios para divulgação de programa de televisão;
  • preparação e envio de pop up de divulgação do programa de televisão, administração, contatos, relacionamento com todos os assessores de imprensa de: jornais, revistas e políticos.

Localidade : Indiferente - Goiânia - GO - Brasil
Escolaridade: Ensino Médio (2º Grau) Completo

sábado, 11 de julho de 2009

AOS INIMIGOS DA UNIVERSIDADE PÚBLICA E DOS SONHOS


Minha formatura foi uma decepção. Nossos paraninfos, por algum motivo, desconfio que político, não puderam comparecer - o repórter Luiz Cláudio Cunha e o repórter fotográfico João Batista Scalco, a dupla de jornalistas gaúchos que ganhou o Prêmio Esso pela cobertura do sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Díaz, quando havia ditadura nos dois países. Decidimos, então, protestar, e foi um protesto meio anarquista, com alguns formandos de bermuda, enfim, uma comédia.
Felizmente, as coisas mudaram muito, e para melhor. Há poucos dias, formou-se uma nova turma no Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense. Eu nem sabia disso. Fiquei sabendo agora porque o professor João Batista de Abreu, que foi meu colega na UFF, em três redações (JB, O Globo e Diário de Notícias), em dois cursos de seleção (JB e Bloch) e nas arquibancadas do Engenhão e do Maracanã, me enviou o discurso e a foto da oradora da turma, Raquel Júnia de Magalhães, que veio de Patos de Minas.
Eu não sou chegado a discursos. Deste eu gostei e vocês vão matar rapidinho a charada.

É este o momento de ver reconhecido o nosso esforço, nossa dedicação, nossa trajetória que seguramente era um sonho para muitos de nós. Alguns saímos de outras cidades para estarmos aqui, e chegando em Niterói, apesar das dificuldades de moradia e outras tantas, tivemos o acolhimento dos colegas nativos, vamos dizer assim.
É difícil essa tarefa de falar por uma turma tão heterogênea. Muitos de nós não nos conhecemos muito bem pelas especificidades de nossas habilitações, pelas diferenças no ritmo com que cada um de nós cumpriu as disciplinas que nos trouxeram hoje até aqui. Mas tentarei traduzir nesse pouco tempo alguns sentimentos que devem ser comuns a todos nós.
Primeiro quero falar da nossa Universidade. E como bem fez um amigo que também se formou aqui há dois anos, agradecer ao povo brasileiro por ter nos proporcionado essa formação. Me recordo muito de um dia, véspera de feriado, eu já estava com a mala pronta para passar o recesso na minha cidade. Precisava ir ao estágio de manhã, voltar para casa e pegar as coisas para ir viajar.
De repente lembro que não tinha quase nada em casa para preparar o almoço e o tempo era pouco. Mas aí o campus do Gragoatá estava no meu caminho e também o bandejão. Fui até lá, estava vazio nesse dia, sem filas. Almocei emocionada pensando o quanto a universidade pública estava me oferecendo naquele momento. Não só uma sala de aula, ainda que precária, os professores, o conhecimento. Naquele momento, ela estava sendo mais do que isso. Era como se fosse a minha mãe, não deixando que eu viajasse sem ter almoçado. Pensei o quanto seria maravilhoso se todos os jovens com 20, 25 anos, como eu, tivessem tido essa oportunidade. Somos privilegiados, meus colegas. Sei que muitos de vocês sabem disso.
Talvez a melhor forma de retribuir esse privilégio seja trabalhando para que nunca se considere natural que apenas 13% dos jovens brasileiros estejam na universidade. Nas públicas, são menos de 4%. Deixo aqui o agradecimento dessa turma a essa universidade, a esse povo que pagou com seus impostos este sonho, e a esperança de que os estudantes que por aqui passarem tenham essa consciência de torná-la cada vez mais pública e mãe dos jovens brasileiros.
Somos comunicadores – cineastas, publicitários, jornalistas. E hoje devemos nos perguntar, pensar em cada ensinamento que tivemos aqui, cada vivência, cada conversa no IACS ou num bar da Cantareira, cada reunião do Diretório Acadêmico, o que é sermos comunicadores? Creio que essa pergunta pode ter um sentido para cada um, mas quero lembrar aqui as palavras de Paulo Freire, educador brasileiro, que acredita que a comunicação é acima de tudo um diálogo. “O diálogo é uma relação horizontal de A com B. Nasce de uma matriz crítica e gera criticidade. Quando dois pólos do diálogo se conectam assim, com amor, com esperança, com fé um no outro, se fazem críticos na busca de algo comum. Só aí existe comunicação, só o diálogo comunica”.
Peço que façamos deste diálogo proposto por Paulo Freire nosso método de atuação pelo resto de nossas vidas. Estamos num momento confuso, de crise financeira, mas também de valores, de informação. Somos a todo momento pressionados pelos imperativos desse sistema, o imperativo financeiro, o do sucesso, o do reconhecimento. Estamos perdendo conquistas de outros que lutaram antes de nós. Mas precisamos lembrar que ainda assim nossa capacidade de criação, de inquietude, de rebeldia pode estar acesa. Somos seres históricos e que constrói a história, obviamente dependendo das condições de cada processo histórico.
Comunicadores, temos em nossas mãos possibilidades incríveis, e uma das mais fantásticas talvez seja a de amplificar vozes. À nossa volta temos milhares de histórias para contar, milhares de situações que não são naturais e não são impossíveis de mudar. Que o cotidiano, a vida à nossa volta, o sofrimento e a alegria do nosso povo sejam as principais matérias-primas da construção do nosso fazer comunicacional. Muito mais do que isso, que as fantasias, os sonhos grandiosos, a revolta nos impregne sempre em nosso trabalho.
Nossas tarefas não são poucas, mas são muito justas. Desejo meus colegas, professores, amigos e familiares aqui presentes que não percamos nunca nossa capacidade de sonhar. A passagem por essa Universidade representou muito em nossas vidas, nos foi fazendo a cada dia diferentes. Lembram a história do rio, que uma mesma pessoa não banha duas vezes no mesmo rio – a pessoa mudou e água do rio também.
Pois, é estamos aqui, transformados em seres que a UFF ajudou a construir. Como dizem em outros países da nossa América Latina, ojalá! Ojalá um dia nos reencontremos, e quem sabe num mundo um pouco melhor, com lembranças maravilhosas para contar desse tempo em que passamos na UFF e com o coração cheio de esperanças na nossa transformação, na transformação da nossa comunicação, do nosso mundo.
Estamos aqui para sonhar, para construir, e foi por isso que a sociedade brasileira nos garantiu essa possibilidade de entrarmos numa universidade. Que nunca percamos essa gratidão e esse compromisso. Quando amigas muito queridas me indicaram para ser oradora, eu disse que o faria com os meus sentimentos mais profundos. Não sei se atingi os objetivos de todos os colegas que estão formando aqui, se não, peço desculpas. O melhor dos meus sentimentos que posso transmitir para vocês hoje é a esperança e a capacidade de acreditar que podemos construir outros valores.
Muito obrigada e parabéns, caros colegas comunicadores!”.

Raquel Júnia de Magalhães