
Em 1965, já muito mal das pernas, e principalmente do bolso (fecharia no último dia daquele mesmo ano), o Diário Carioca resolveu escancarar as portas para dezenas de estagiários, sinônimo de mão-de-obra barata. Uns deslancharam e fizeram carreira, outros desapareceram na história, como acontece em todas as atividades.
Era o tempo em que o foca era ridicularizado de todos os modos e maneiras pelos veteranos. Descer à gráfica para buscar a calandra - uma máquina imensa onde eram preparados os moldes de chumbo para cada página - era trote que sempre dava resultado.
Alguns tinham parentes ou conhecidos que também eram jornalistas e vinham prevenidos, já conheciam todas as brincadeiras, até porque não mudavam nunca, eram tão velhas que se diria inventadas pelo próprio Gutemberg. Outros pareciam focas mas na realidade não eram, vinham de alguma experiência em jornais do interior ou de outros estados, trazendo o sonho de ganhar a cidade grande. Era o caso do Espinheira, um jovem baiano, aliás literato de muito talento, que hoje não sei por onde anda. No lado oposto, isto é, dos espertos e prevenidos, havia um pernambucano falante e empertigado, Antônio Carlos já não lembro de quê, que tinha o mau costume de gozar os companheiros de foquice.
Espinheira foi sua vítima e não gostou nada, mas era um sujeito muito humilde, caladão, e da primeira vez aceitou a brincadeira, embora sabendo muito bem o que era uma calandra. Segunda vez, mesma coisa. Terceira vez encheu o saco e procurou o chefe de redação, Deodato Maia, para fazer discretamente sua queixa.
Profissional como poucos, com três séculos de jornalismo nas costas, Deodato também não gostou nada, esse negócio de trote em foca já era demodê. E além do mais, se fosse pra gozar alguém, estagiário ou não, ninguém o superava. Esperou paciente uma hora apropriada para dar o troco e deu mesmo.
Fim de tarde, todo mundo com pressa de entregar as matérias e sair correndo, o Antônio Carlos inclusive. Era um daqueles dias de Rio 40 graus, trânsito caótico na Avenida Rio Branco e adjacências, buzina pra todo lado, engarrafamento que não acabava mais. Antônio Carlos dava as últimas batucadas sobre o teclado da velha Olivetti quando o Deodato levanta seus três metros de altura no poleirinho da editoria e o convoca com aquela inconfundível voz cavernosa:
– Antônio Carlos! Corre pra Botafogo, que assassinaram o senador Pinheiro Machado no Hotel dos Estrangeiros, ainda não sei em que delegacia está o caso...
Lá se foi o pobre, desmilinguido em suor sob a gravata aberta, suportando estoicamente o engarrafamento e o buzinaço, afinal podia ser a reportagem de sua vida, o renome nacional, talvez até um Prêmio Esso. Primeira delegacia, nada. Segunda, mesma coisa. Terceira ou quarta, Deus se apieda do rapaz e coloca na sua frente um comissário mais ou menos aculturado, que olha bem pra cara dele e saca a sangue frio:
– Ô mermão! Tás querendo me gozar? Esse crime aconteceu já tem uns 50 anos. E nem existe mais o Hotel dos Estrangeiros...
Era o tempo em que o foca era ridicularizado de todos os modos e maneiras pelos veteranos. Descer à gráfica para buscar a calandra - uma máquina imensa onde eram preparados os moldes de chumbo para cada página - era trote que sempre dava resultado.
Alguns tinham parentes ou conhecidos que também eram jornalistas e vinham prevenidos, já conheciam todas as brincadeiras, até porque não mudavam nunca, eram tão velhas que se diria inventadas pelo próprio Gutemberg. Outros pareciam focas mas na realidade não eram, vinham de alguma experiência em jornais do interior ou de outros estados, trazendo o sonho de ganhar a cidade grande. Era o caso do Espinheira, um jovem baiano, aliás literato de muito talento, que hoje não sei por onde anda. No lado oposto, isto é, dos espertos e prevenidos, havia um pernambucano falante e empertigado, Antônio Carlos já não lembro de quê, que tinha o mau costume de gozar os companheiros de foquice.
Espinheira foi sua vítima e não gostou nada, mas era um sujeito muito humilde, caladão, e da primeira vez aceitou a brincadeira, embora sabendo muito bem o que era uma calandra. Segunda vez, mesma coisa. Terceira vez encheu o saco e procurou o chefe de redação, Deodato Maia, para fazer discretamente sua queixa.
Profissional como poucos, com três séculos de jornalismo nas costas, Deodato também não gostou nada, esse negócio de trote em foca já era demodê. E além do mais, se fosse pra gozar alguém, estagiário ou não, ninguém o superava. Esperou paciente uma hora apropriada para dar o troco e deu mesmo.
Fim de tarde, todo mundo com pressa de entregar as matérias e sair correndo, o Antônio Carlos inclusive. Era um daqueles dias de Rio 40 graus, trânsito caótico na Avenida Rio Branco e adjacências, buzina pra todo lado, engarrafamento que não acabava mais. Antônio Carlos dava as últimas batucadas sobre o teclado da velha Olivetti quando o Deodato levanta seus três metros de altura no poleirinho da editoria e o convoca com aquela inconfundível voz cavernosa:
– Antônio Carlos! Corre pra Botafogo, que assassinaram o senador Pinheiro Machado no Hotel dos Estrangeiros, ainda não sei em que delegacia está o caso...
Lá se foi o pobre, desmilinguido em suor sob a gravata aberta, suportando estoicamente o engarrafamento e o buzinaço, afinal podia ser a reportagem de sua vida, o renome nacional, talvez até um Prêmio Esso. Primeira delegacia, nada. Segunda, mesma coisa. Terceira ou quarta, Deus se apieda do rapaz e coloca na sua frente um comissário mais ou menos aculturado, que olha bem pra cara dele e saca a sangue frio:
– Ô mermão! Tás querendo me gozar? Esse crime aconteceu já tem uns 50 anos. E nem existe mais o Hotel dos Estrangeiros...
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