
O texto é de Emmanuel de Macedo Soares, móveis e utensílios deste blog:
“Rio de Janeiro, lado de lá da poça. As noites sacramentais do Lamas. Não esse arremedo minúsculo que continua ali, a poucos metros, mas o antigão, imenso Maracanã da boemia, no Largo do Machado. Havia mais jornalistas naquele reduto do que em qualquer congresso internacional de Imprensa. E não só jornalistas. Também alguns excelsos representantes da laboriosa classe dos tipógrafos, que naqueles antanhos pré-computadores transformavam em letrinhas de chumbo o que inventávamos nas Olivettis de última geração.
Um deles era o Tobias Monteiro, chefe dos linotipistas do falecido Diário de Notícias, que tinha dois defeitos essenciais: bebia como gambá e era poeta. Na verdade, meio poeta e meio ator, porque além de declamar os quilométricos poemas que escrevia, quando lhe ia o álcool ao cerebelo cismava de encenar o texto...
Sua criação predileta era “A Cachoeira de Paulo Afonso”, que ouvíamos falsamente embevecidos, aos risos e aplausos. Principalmente nos trechos em que ele, empolgado pela birita e pela emoção, se atirava e rolava pelo chão do velho Lamas, como se fosse as encapeladas águas da dita cuja cachoeira. Metade copiado de Castro Alves, metade dos açucarados sonetos do J. G. de Araújo Jorge, que importa? Tobias era o nosso poeta preferido.
Lá uma noite – devia ser verão, pois tínhamos exagerado nas lourinhas suadas – Tobias declamava sua monumental obra-prima quando reparamos em dois rapazes numa mesa próxima, tão ou quanto alcoolizados, que pareciam entediados com o espetáculo. Desconhecidos na roda, descobrimos depois que eram engenheiros.
Terminada a performance, mal sacudia o festejado autor a poeira das roupas, um dos jovens se aproximou dele e perguntou, com aquela voz arrastada e gaguejante de bêbado:
O– Es...ses... ver...sos... hic... são seus?
O bom baiano, preparando-se para ouvir o maior elogio do mundo, estufou o peito de orgulho e confessou o crime:
– São!
– O sr. me per...mite duas ob...servações?
– Claro, claro! Sou aberto a críticas...
– Em primeiro lugar... hic... o poema é uma merrrrrda... Em segun...do lu...lugar, agora não é mais Cachoeira de Paulo Afonso. É Hidrelétrica do São Francisco...
Pobres rapazes. Saíram corridos do Lamas debaixo de vaia, e por pouco não levam umas boas bordoadas, para aprenderem a respeitar o talento alheio...
Eu disse talento? Deixa prá lá...”.
“Rio de Janeiro, lado de lá da poça. As noites sacramentais do Lamas. Não esse arremedo minúsculo que continua ali, a poucos metros, mas o antigão, imenso Maracanã da boemia, no Largo do Machado. Havia mais jornalistas naquele reduto do que em qualquer congresso internacional de Imprensa. E não só jornalistas. Também alguns excelsos representantes da laboriosa classe dos tipógrafos, que naqueles antanhos pré-computadores transformavam em letrinhas de chumbo o que inventávamos nas Olivettis de última geração.
Um deles era o Tobias Monteiro, chefe dos linotipistas do falecido Diário de Notícias, que tinha dois defeitos essenciais: bebia como gambá e era poeta. Na verdade, meio poeta e meio ator, porque além de declamar os quilométricos poemas que escrevia, quando lhe ia o álcool ao cerebelo cismava de encenar o texto...
Sua criação predileta era “A Cachoeira de Paulo Afonso”, que ouvíamos falsamente embevecidos, aos risos e aplausos. Principalmente nos trechos em que ele, empolgado pela birita e pela emoção, se atirava e rolava pelo chão do velho Lamas, como se fosse as encapeladas águas da dita cuja cachoeira. Metade copiado de Castro Alves, metade dos açucarados sonetos do J. G. de Araújo Jorge, que importa? Tobias era o nosso poeta preferido.
Lá uma noite – devia ser verão, pois tínhamos exagerado nas lourinhas suadas – Tobias declamava sua monumental obra-prima quando reparamos em dois rapazes numa mesa próxima, tão ou quanto alcoolizados, que pareciam entediados com o espetáculo. Desconhecidos na roda, descobrimos depois que eram engenheiros.
Terminada a performance, mal sacudia o festejado autor a poeira das roupas, um dos jovens se aproximou dele e perguntou, com aquela voz arrastada e gaguejante de bêbado:
O– Es...ses... ver...sos... hic... são seus?
O bom baiano, preparando-se para ouvir o maior elogio do mundo, estufou o peito de orgulho e confessou o crime:
– São!
– O sr. me per...mite duas ob...servações?
– Claro, claro! Sou aberto a críticas...
– Em primeiro lugar... hic... o poema é uma merrrrrda... Em segun...do lu...lugar, agora não é mais Cachoeira de Paulo Afonso. É Hidrelétrica do São Francisco...
Pobres rapazes. Saíram corridos do Lamas debaixo de vaia, e por pouco não levam umas boas bordoadas, para aprenderem a respeitar o talento alheio...
Eu disse talento? Deixa prá lá...”.
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