sexta-feira, 29 de maio de 2009

QUE BELA COLEGA DE TRABALHO, RRROOOCHAAA!


Entrevistei o Brizola uma vez, para o Jornal do Brasil. Aliás, entrevistamos, eu e a repórter Valéria Blanc. Eu era subeditor da Política e o que nos levou ao encontro da lenda trabalhista foi um arranca-rabo entre ele e o então ministro da Justiça do governo Itamar Franco, Maurício Corrêa.
Maurício Corrêa também era do PDT e as coisas não andavam muito bem entre ele e Brizola, o chefe do partido. Como a entrevista foi marcada numa sexta-feira, dia de pescoção, e teria que ser publicada no domingo, foi uma correria só. Levando-se em conta que Brizola nunca respondia ao que lhe era perguntado, a menos que quisesse muito falar a respeito, e que era preciso escrever material suficiente para fechar uma página, a editora Regina Zappa achou boa a idéia de irem dois para a entrevista, marcada para o fim da tarde e que teria, portanto, de ser escrita no fim da noite ou de madrugada. Não levamos fotógrafo, as fotos seriam mesmo do arquivo e a página estava desenhada.
O detalhe é que eu não esperava esse compromisso e estava com blaser, mas sem gravata. Brizola não se importaria com isso, mas seria melhor o traje completo. Pedi emprestada ao jovem repórter Luís Antônio Ryff, neto do queridíssimo Raul, uma bela gravata vermelha. Saímos da Avenida Brasil, eu e a Valéria, e fomos recebidos no apê do homem, na Avenida Atlântica. Tentamos fazer algumas perguntas, mas ele era mesmo incorrigível. Só respondeu algumas. A matéria nem era tão boa, pois as declarações mais fortes (e nem tanto assim) foram do ministro, que, se não me engano, nos deu por telefone.
Logo de cara, uma cena engraçada. Ao me ver, e já sabendo nossos nomes, elogiou a gravata, para todos os efeitos minha:
– Rrrrocha! (nunca ninguém me chamou assim, com tantos “erres”). Que bela gravata! Estás parecendo um maragato! Veja a minha, o que acha?
Não sou entendido em moda, mas posso garantir que nunca vi gravata tão horrorosa. Era azul clara e tinha o desenho de um canguru. Acho que ele tinha várias iguais aquela.
– É australiana!
Como se eu não soubesse. Brizola naquela época, era apaixonado pela Austrália, que deve ser um Uruguai grandão. Essa mania pela Austrália nunca me convenceu, acho que foi uma bela sacada dele para deixar os militares (ainda no poder, mas já em tempo de distensão) menos nervosos. Valéria, visivelmente, segurava o riso. Eu já havia percebido duas coisas: uma, que o entrevistado não ia nos oferecer nada de bom; e duas, que o foco de seu interesse era aquela moça loura, alta, bonita e muitíssimo bem-humorada.
A conversa durou meia hora, se tanto, uma abobrinha atrás da outra. De repente, levantou-se e prometeu que teríamos material para escrever, pois a entrevista continuaria depois de outra, já programada, no estúdio do SBT no Rio, com o Bóris Casoy. Fomos até São Cristóvão e na TV o caudilho não agiu diferente. O Bóris tentava, tentava e nada de bom saía. A coisa durou uns 10 ou 15 minutos, com tela dividida, e quando terminou já passava de onze e meia.
– E a nossa entrevista, governador? É para domingo, depois de amanhã.
– É claaaro que vamos charlar! Vamos encontrar um local melhor para vocês.
E, para mim, mas acho que em tom alto o suficiente para que a moça ouvisse:
– Mas, francamente, Rrrrrocha, que bela colega de trabalho tu tens!
Seguimos no carro dele, eu e Valéria no banco traseiro, Brizola no carona, tendo atrás e na frente mais dois carros com os seguranças. Fomos parar, a nosso pedido, na esquina da Avenida Brasil com aquela rua da igreja, cujo nome esqueci, bem em frente ao JB.
Entrevista? Quem dera. O tempo inteiro, Sua Excelência alternava conversa fiada e elogios à jovem repórter. Num dado momento, o sacana do Leonel não resistiu e, como quem não quer nada, deu um jeito de colocar a mão no joelho da coleguinha, mas de um modo que poderia parecer meio paternal. Profissa!
Só que o nosso deadline estava estourando e, pensando bem, o pouco que ele nos contara, juntando com o desabafo do Maurício Corrêa, já daria para o gasto. Quando viu que a coisa estava caminhando para um terreno perigoso, Valéria, muito franca, mas sem passar recibo, cortou o barato do sucessor de Getúlio e Jango e praticamente me empurrou para fora do carro. Saímos correndo feito loucos não só para tentar um segundo, em vez de terceiro clichê. Não dava mais para segurar as gargalhadas.
A matéria rendeu meia página de texto e o resto enchemos de fotos.

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