terça-feira, 5 de maio de 2009

LUZES SOBRE O CASAL FAGUNDES


Um veterano repórter que cobria a área militar lutava diariamente para emplacar alguma matéria de sua seara, mas com o fim da ditadura a coisa ficou difícil. Ninguém mais queria saber de quartéis. Num ou noutro plantão, quando realmente faltavam assuntos, conseguia emplacar pelo menos uma notinha ou uma pequena matéria, informando sobre mudança de comando, condecorações, coisas assim, só para evitar calhau.
Santoro – vamos chamá-lo assim – vivia torcendo para que os colegas fizessem greve porque quando isso acontecia, mesmo greve de um dia só, era mais fácil ver seu material publicado. Furava o movimento sem problemas e pimba! Mais um textinho, como nos velhos e bons tempos da “revolução”.
No final dos anos 80, para sua surpresa, a chefia de reportagem o designou para cobrir... uma ópera. Ficou todo bobo.
Na verdade, não só ele, como outros repórteres foram escalados para ficar na turma do gargarejo, na porta do Teatro Municipal, porque o acontecimento prometia. Era a montagem de “O Navio Fantasma”, de Wagner, com direção de Gerald Thomas. Maluco e polêmico como ele só, exigiu e conseguiu que o espetáculo tivesse produção cara e ousada.
Como dizem os elitistas, “as pessoas que importavam” iam todas ao Municipal naquela noite – artistas e intelectuais famosos, políticos, empresários, doutores, socialáites etc. etc. E isso incluía algumas altas patentes, um ministro militar poderia aparecer e era justamente aí que entrava o Santoro. Só o Santoro poderia conhecer esta ou outra alta autoridade, ainda mais chegando em trajes civis.
Com seu melhor terno, ficou à espreita do tal ministro ou de outra autoridade fardada ou sem farda, mas o homem não apareceu. No entanto, para alegria do velho repórter, chegou acompanhado da mulher um general ou coronel-comandante de origem nordestina com quem se dava bem. Entrevistou o casal, que não tinha muito o que dizer sobre a ópera, mas estava encantado com aquela produção toda e coisa e tal.
Terminada a ópera, correu para o jornal a fim de colocar no segundo ou terceiro clichê sua matéria. Eram poucas linhas que seriam juntadas a outras, apenas para dizer que tinha acontecido a estréia. A crítica, se não me engano, só seria publicada no dia seguinte.
O lide do Santoro – que via o mundo à moda castrense – foi mais ou menos assim:
"No exato momento em que as luzes do holofote do décimo-oitavo regimento não sei do quê cruzaram no céu da Cinelândia com as luzes do holofote da quinta companhia de não sei o quê lá, o coronel Herculano Fagundes e sua esposa, dona Margarida Fagundes, entraram no Theatro Municipal do Rio de Janeiro para apreciarem a ópera Navio Fantasma etc. etc".

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