terça-feira, 1 de setembro de 2009

VOLTAM-SE AS VISTAS PARA O NOSSO PRÉ-SAL

Os grandes jornais prestaram hoje um excelente serviço a todos aqueles que acreditam ou passaram a acreditar que não vivemos num “país de merda”. Aquele país da piada que tem uma frase atribuída a Deus: “Não tem furacão nem terremoto, mas vocês vão ver o povinho que eu vou botar dentro dele”.
A manchete do Globo desta segunda-feira, 1º de setembro de 2009, é apocalíptica:

Regras estatizantes para pré-sal assustam o mercado!!!
Sem os pontos de exclamação, evidente, acrescentados aí em cima porque este era o objetivo do título: assustar os leitores.
O lançamento do pré-sal, principal assunto do dia, foi tratado pelo Globo como um lobisomem perambulando em madrugada de lua cheia na Rua do Ouvidor esquina com Rua do Mercado, um orangotango do Bornéu solto na calçada da Avenida Paulista nº 1.313, um vampiro pedófilo no parquinho da esquina, o estrangulador do Parque Xangai, a Fera da Penha, etc.
Assustar? Quem vai ser assustado? Um amigo meu, apaixonado pela filosofia alemã, citaria Schopenhauer: “As discussões são inúteis porque as pessoas só se convencem daquilo que elas querem se convencer”.
Nada melhor do que uma manchete bombástica e agressiva para nos fazer ler tudo o que foi espalhado e escondido nas páginas internas, no caso, nas páginas da editoria de Economia. Como escondido? Por dois motivos:
1. O pessoal da(s) Economia(s) me desculpe, mas nem todo leitor lê essa que é ou deveria ser, com certeza, a mais importante editoria de qualquer jornal. A não ser em casos como confisco de poupança, plano econômico heterodoxo, essas coisas que felizmente não existem mais, desde que deixamos de nos considerar ou nunca nos consideramos o povinho de um país de merda.
2. O Globo só enxergou o lançamento do pré-sal pelo (evidente, previsível, todos fariam isso se estivessem no poder hoje) aspecto político-eleitoral. Se o jornal fosse coerente com essa avaliação de política editorial, as matérias do pré-sal então teriam que começar na página 3, a mais nobre do primeiro caderno, onde começa o noticiário de Brasil.
Ah! Na capa não esqueceram de botar também na foto o Sarney e três manequins daquela grife ecológico-fundamentalista.
E aí? E o olho grande do Henry Ford em nossa borracha?
Espalhado ou escondido, tanto faz. O Globo bota suas matérias onde acha que deve botar. É um grande jornal, cheio de história, que começou hipernacionalista (“Voltam-se as vistas para a nossa borracha” foi sua primeira manchete de capa), cresceu como empresa sob a liderança de Roberto Marinho (sobretudo durante os governos militares) e, passado um longo período de linha dura em sua política de RH, hoje é um lugar certamente bem mais agradável de se trabalhar.
O Globo já teve outras linhas editoriais, mas nunca foi, não quis ser, nem sabe ser (tanto que abriu duas filiais justamente para isso) um jornal popular, do povão (ou do povinho).
Quanto tenta ser – foi o caso desta segunda-feira – não dá certo. Basta ler o lead da principal chamada da primeira página: “O lançamento das regras para exploração do pré-sal foi marcado por um tom nacionalista”. Se a intenção foi desqualificar o nacionalismo, lamento muito, mas os leitores, em sua maioria (o Ibope nunca fez pesquisa a respeito? Saudações alvinegras), são nacionalistas, sim.
E tem mais! Nacionalistas “atrasados”, daqueles que choram ouvindo os errrrrrrrres do Galvão Bueno, ao contrário deste blogueiro, que foi a favor da grande maioria das privatizações, e ainda assim se considera nacionalista, sim, e com muito orgulho.
Logo depois, ainda no lead, o jornal nos “informa” que o Brasil “entrou ontem numa nova fase de interferência do Estado na economia” (hahahahahaha, riria antigo adversário do jornal da Rua Irineu Marinho, assim mesmo, entre parênteses).
E por aí vai, passando pela criação da Petro-Sal (ótimo nome), a empresa que vai gerir o pré-sal, “fiscalizar e ditar o ritmo de produção e exploração das reservas”.
A direita e a esquerda infantil: uma aliança hilariante
O hilariante é que a Petro-Sal, tal como a Petrobras, vai nascer debaixo de muita oposição. Não é só o Globo que é contra. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) e o Sindipetro, duas entidades que primam pelo esquerdismo infantil, também não gostaram da novidade. Para a turma do sindicato dos crachás verdes, quem não é Petrobras, é inimigo. Ô raça!
Outra frase sempre repetida por meu chapa chegado numa filosofia alemã: “As maiores inimigas da verdade são as ideologias”. A estupidez, a arrogância e a burrice são os ingredientes da nossa direita e da nossa esquerda.
O caso da recém-nascida Petrobrás do doutor Getúlio, ainda com acento agudo, é exemplar. A direita bateu o pé, felizmente em vão, contra os valores nacionalistas e esquerdistas que marcaram o nascimento da estatal. A direita, tal como a Folha de S. Paulo, costuma errar tanto ou até mais do que a esquerda.
Se não fosse contaminada por esses valores “nacionalistas e esquerdizantes”, a Petrobrás não seria o que é hoje. Ela cresceu e debaixo de muita torcida contra, muito fogo amigo, e o que mais irritou os chamados entreguistas dos anos 50 e 60 foi que os governos militares, sabiamente, concordavam com a esquerda pelo menos nisso.
E a esquerda? A esquerda até hoje (e o próprio Lula foi porta-voz disso, no discurso do lançamento do pré-sal em Brasília) não entendeu que o geólogo americano Walter Link, primeiro chefe de exploração da Petrobrás, só foi menos importante para a companhia do que o geólogo brasileiro que descobriu a Bacia de Campos. Até hoje, Mr. Link é citado como agente da CIA e outras besteiras por ter dito que o Brasil não tinha petróleo. Era isso o que constava do Relatório Link? Que nada. O ianque disse que não havia petróleo em terra em quantidades comerciais que justificassem a prospecção. E o que Mr. Link aconselhou? Que a Petrobrás procurasse petróleo no mar. A Petrobrás devia batizar uma de suas unidades com o nome de Walter Link.
A direita e a esquerda voltaram a errar e a acertar. A direita demitiu técnicos competentes da empresa por serem ou porque pareciam ser comunistas. A esquerda foi contra a quebra do monopólio estatal no novo ambiente globalizado. A esquerda não entendeu que foi justamente com a quebra do monopólio que a Petrobrás teve chance de provar que não tinha competidores à altura no mercado. E a direita não entende, hoje, que o modelo da partilha é o melhor para um país com reservas gigantescas que estão sendo descobertas.
Os maiores produtores mundiais de petróleo seguem esse modelo ou, no caso da Rússia, por exemplo (leiam os gráficos disponíveis no portal G1, basta procurar), adotam um sistema misto de partilha e concessão.
Foi para tentar esculhambar com esse modelo e com o que enxergou de excesso de nacionalismo que O Globo lançou o noticiário do pré-sal nas páginas 19 (abertura do caderno de economia) e seguintes, com um título engraçadinho:
De volta ao passado... ai,ai, ai...
As reticências e os ai-ais também foram colocados para exprimir melhor o que o autor do título quis transmitir ao leitor médio: desalento, nostalgia, anacronismo... ai, ai, ai! Esses caras atrasados não tomam jeito!
Só leitor dos contos da Carochinha vai deixar de enxergar na Petrobrás uma empresa de mercado e achar que o Brasil está de volta aos anos 1950.
“O petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro”.
Abstraindo o tom palanqueiro, essa frase do Lula, mantida no texto que procurou apresentar o modelo da partilha como sinônimo de atraso, diz outra coisa. O que o governo está propondo é outra coisa: é que o petróleo da camada pré-sal não será internacionalizado e que a maior parte dessa riqueza que essas reservas vão proporcionar em breve terá que ser revertida em favor da população, em forma de empregos e em investimentos em educação, ciência e tecnologia, habitação, etc.
Ah! Esse governo? – perguntará alguém que vota na oposição.
Não necessariamente. Os governos que efetivamente terão em caixa os primeiros resultados financeiros, quando o pré-sal deixar de ser pré. Governos que pensarem igual a este ou que sejam adversários do Lula e da herança getulista. Duvido muito que, uma vez no poder, queiram jogar fora os frutos que brotarão desse modelo.
Se não caírem novamente na besteira de subestimar a Petrobrás e sua ligação direta com o inconsciente nacional, se não inventarem moda, tipo mudar a razão social da empresa, americanizá-la, europeizá-la, vão se beneficiar daqui a 20 ou 30 anos das decisões que estão sendo tomadas agora. Nem todas acertadas, com certeza, mas isso fica por conta do Congresso, que vai votar algum dia as propostas que foram feitas no último dia de agosto de 2009.
Quem ainda não se deu conta, em breve vai cair a ficha de que a roda está girando e que o Brasil será o quarto maior produtor de petróleo do planeta, atrás apenas da Arábia Saudita, Iraque e Irã. E com muitas vantagens: aqui é e continuará sendo um país democrático, aqui temos carnaval, samba, chorinho, feijoada, bobó e Maracanã no domingo.
Tradução dos 9 mil caracteres que estão aí em cima:
– País de merda é o cacete!

6 comentários:

Bart Rabelo disse...

Boa noite!

Fica um pensamento sobre o Pré-Sal: o governo brasileiro atualmente usa o sistema bem sucedido aplicado por nações bem sucedidas na exploração de óleo e gás no Mar do Norte (Noruega, França, Reino Unido e Holanda). A Petro-Sal implementará o sistema utilizado por nações ainda mais idôneas (sic), como Venezuela, Arábia Saudita e Kuwait. Para piorar o Brasil ainda pensa em entrar para a OPEP. Estamos mal...

Abraços,

Bart

José Sergio Rocha disse...

Bart, o modelo de concessões teve seu momento e, como foi dito no texto, só fortaleceu a imagem de competência técnica da Petrobras. O fato de estarmos em tão má companhia (Chávez é um golpista fascistoide, os outros governam com o Alcorão numa mão e a metralhadora na outra) não significa absolutamente nada. Quanto a entrar para a OPEP, só se nosso representante for o Sheik, um rottweiller aqui das vizinhanças. (Você esqueceu de citar a Rússia, que tem modelo misto). Abração!

Unknown disse...

Caríssimo amigo ,brilhante o seu texto !!

AOS QUARENTA A MIL disse...

Excelente Zé Sergio, mas fiquei com algumas dúvidas que vou te enviar por email.
Abraços.

leo boechat disse...

Você está vendo o que está acontecendo…

Guina Ramos disse...

Muito bom, Zé Sérgio!
Seu texto deveria ser distribuído pelas esquinas, estudado em sala de aula. Jornal (este, especialmente) tem que ser lido assim, destacando os sinais (ou seja, interesses) subliminares...
Parabéns!