segunda-feira, 12 de julho de 2010

A HUMANIDADE É INVIÁVEL?

Os crimes da minha infância eram poucos. Crimes violentos? A gente levava anos para saber de algum. O caso da Fera da Penha, que matou uma criança, filha de seu amante (ou amásio, como diziam a “Luta Democrática” e “A Notícia”), foi assunto durante décadas.
O assassinato de Aída Cury, estuprada e lançada do alto de um prédio na Zona Sul, assombrou muita gente, porém menos que o caso da menininha morta pela mulher rejeitada.
O maior bandido da minha infância, Mineirinho, era um pobre coitado. Ganhou fama por causa do calibre de sua arma, uma 45, mas não por maldades gratuitas. Assaltava casais na Vista Chinesa, levava o dinheiro e o Fusca, mas os namoradinhos saíam ilesos. Cara de Cavalo ganhou destaque por ter matado o policial mais temido do Rio de Janeiro. Foi morto com cento e tantos tiros.
Uma vez, no Globo, contribuí para uma matéria, em parceria com Antônio Werneck, que tinha como título “De Mineirinho a Uê, os inimigos públicos nº 1 do Rio de Janeiro”. A coisa realmente foi piorando a partir dos anos 80.
A Fera da Penha cometeu seu crime bárbaro no início dos anos 60. Antes dela, o símbolo maior da crueldade em terras cariocas foi um doente mental chamado Febrônio Índio do Brasil, que 40 anos antes, na década de 1920, estrangulava adolescentes que resistiam a suas investidas homossexuais.
Amantes desalmadas, tarados enfurecidos, playboys drogados eram as referências que tínhamos de criminosos sádicos. Pais não matavam filhos, crianças não matavam pais, ídolos davam bons exemplos. Não sou, como canta Paulo César Pinheiro, do tempo das armas.
E a gente levava anos para saber de alguma crueldade. O intervalo caiu bastante, no Brasil e no mundo. Os casos de Daniela Perez e Isabella Nardoni foram apenas dois entre muitos. Ainda estupefatos (não existe outra palavra que diga tanto sobre a reação a esse tipo de coisa) com o caso Bruno, leio hoje no G1 que uma adolescente brasileira de 15 anos é suspeita de ter incinerado os pais e a irmã na cidade de Takarazuka, no Japão.
Lembro de um tempo, em minha segunda temporada no Jornal do Brasil, início dos anos 90, em que era responsável por certa página da Editoria Nacional que, volta e meia, respingava sangue. Um dia, na reunião de pauta da tarde, quando chegou minha vez de enumerar os assuntos do dia, o editor Orivaldo Perin tascou:
– E aí? Qual é a de hoje na página “A humanidade é inviável”?

5 comentários:

Unknown disse...

Mestre Zé,

contribuiu o cacete! Que isso, mestre: vc fez tudo na série de reportagens que escrevemos.

Vc sugeriu a pauta, gastou sola de sapato em inúmeras entrevistas (como os tiras daquela época) e ainda deu retoques (de Pelé) no texto, como quem faz embaixadas antes de mandar pra rede.

abraço

werneck

José Sergio Rocha disse...

Werneck, eu nem lembra disso aí, mas foi você que entrevistou o bandidão da época. Uê, perto de uns e outros que agarram bem, era um sacristão, hein?

elizabeth volpi disse...

Triste, triste. E com tanta arte e beleza disponível para gente encontrar melhor acesso... Certa vez ouvi de uma filósofa empenhada em seu ofício de professora: "A gente precisa saber que é inviável e ainda assim agir como se fosse possível". Você, parece, faz isso, Zé Sergio. Grande!

Unknown disse...

Zé, no futebol de hoje escapam poucos. Formação de quadrilha clássica.

Mineirinho, Cara de Cavalo, Uê todos fichinhas diante da máfia que atua dentro e fora das quatro linhas...

grande abraço

werneck

sunny disse...

Vc esqueceu da Claudia Lessin, assassinada por um playboy e, se não me engano, um dimenor e jogada nua nas pedras da Niemeyer.