domingo, 21 de junho de 2009

O QUEBRA-CABEÇAS QUE VIROU DOCUMENTÁRIO


No auge da crise dos dissidentes soviéticos, achei graça do título do livro “Sobreviverá a União Soviética até 1984?”. O historiador Andrei Amalrik, um dos dissidentes mais conhecidos, errou por pouco: quatro anos depois, Mikhail Gorbachev anunciava o fim da Cortina de Ferro e no ano seguinte, 1989, caía o Muro de Berlim.
Ri daquele título porque me lembrou “Eram os deuses astronautas?”. Ou seja, parecia ficção científica de quinta categoria. Mas não, era profecia pura.
Quando termina o documentário “Razões para a guerra”, a pergunta que a gente faz é outra: quando vai cair esta nova Roma chamada Estados Unidos da América?
Não sou anti-americano. Se for enumerar todos os ianques que admiro, vou perder a conta, e entre eles estão incluídos alguns presidentes – Abraham Lincoln, Franklin Delano Roosevelt, Jimmy Carter e, torço por ele, Barack Obama. Sou também fã do cacique Touro Sentado (pela surra que deu na 9ª Cavalaria), do Martin Luther King, do Louis Armstrong, do Duke Ellington e, para não acharem que sou racista, também sou fã do Francis Albert Sinatra. E outros milhares.
Apesar daquele crítico de barbicha, Rubens Ewald Filho, ter achado o filme chato, é uma aula de História. Eu sabia que as bombas de Hiroxima e Nagasaki vitimaram civis, mas desconhecia até agora, por não ter lido Gore Vidal, que os japoneses tinham passado os últimos meses antes dessas bombas tentando se render.
O alvo daquelas bombas não foi o Japão, foi Stalin, isso eu sabia, mas não com tantos detalhes. Foi uma declaração de guerra. A Guerra Fria.
O filme mistura cenas reais da Segunda Guerra Mundial às duas invasões do Iraque. Tem personagens interessantes. Um policial aposentado que viu do metrô a explosão das duas torres, e numa delas estava o filho dele. Um cara de 21 anos que, literalmente sem pai nem mãe, e sem um puto no bolso, resolveu se alistar porque a guerra era o único mercado que enxergava. Uma militar do Pentágono que ficou enojada daquilo tudo e pediu demissão. Dois pilotos que só faltavam chorar de emoção por terem lançado bombas em Bagdá que só fizeram vítimas civis, mas nem eles sabiam, tanto tempo depois. Um médico iraquiano, revoltado, porque no hospital de campanha só chegavam crianças e mulheres, nenhum militar. Outro iraquiano, que pegou na veia: “Míssil inteligente? Caiu sobre esta casa e matou uma família”.
O filme, ao contrário do que diz o bestalhão que morre de amores pelo Hugh Grant, monta as peças do quebra-cabeças chamado “Complexo Industrial Militar”. A expressão foi usada pelo presidente Eisenhower – um republicano, o general que comandou os Aliados contra o nazismo – para alertar o povo americano de algo terrível: a indústria armamentista havia se tornado poderosa demais e era preciso contê-la.
O Complexo Industrial Militar é um tripé que envolve as Forças Armadas, a indústria e o Congresso americano. E aí outro fato que eu desconhecia: cada projeto dessa indústria tem a fabricação de suas peças distribuídas pelos estados. Se alguém defende o fim de um deles, sempre aparece um deputado para defender os 100 empregos que gera, ou melhor, os 500 votos que representa.
Esta indústria, como sabemos, chegou a ponto de inventar, na era Bush-Cheney, um novo negócio chamado "terceirização da guerra", que envolveu a "livre iniciativa" na fabricação de privadas e de centenas de outros itens não necessariamente bélicos que enriqueceram a Halliburton e outras empresas.
Eugene Jarecki, o diretor, deu ao filme o mesmo título original, “Why we fight?” (Por que nós lutamos?), dos filmes de propaganda feitos por Frank Capra para o Pentágono, com o objetivo de levantar o ânimo dos americanos na guerra contra o nazifascismo, a última guerra justa da qual os EUA participaram no século XX.
Acabei de devolver. “Razões para a guerra” foi produzido pela Sony em 2005 mas só agora entrou nos catálogos das locadoras.
Acrescento: pior de tudo é que, quando cair, a gente talvez tenha saudade dos ianques. Já imaginou um mundo bipolar tendo, de um lado, a China, e de outro, uma potência árabe?

Um comentário:

leo boechat disse...

Vou tirar na locadora. Valeu a dica.