
O que havia, talvez, era excesso de redatores na Editoria Política (Antônio Viana, Mário Marona, Sônia Beatriz de Barros, Maria Helena Pereira, Barcímio Amaral, Franklin Martins, hoje ministro, e um companheiro cujo nome esqueci, mas não do apelido: Frei Rosário). Eu já estava era com medo de ser demitido por baixa produção. Tinha duas filhas pequenas para sustentar, um casamento acabando que em breve resultaria em pensão alimentícia e, para piorar as coisas, havia saído, por vontade própria, do Jornal do Brasil. No novo local de trabalho, alguém "me sairia" antes.Por isso, vou contar uma história do jornalista João José Leal Rath, que era então o nosso subeditor.
Quem conheceu bem a figuraça sabe que, muito antes de o Domenico de Masi começar a cochilar, o Rath já havia pegado no sono há muito tempo. Ócio criativo era a especialidade dele. O jornalista e escritor José Castello já o definiu de forma magistral. Rath foi um autor sem livros. Castello chegou a traçar um paralelo entre Raduan Nassar e o nosso herói. Enquanto Nassar abandonou as letras depois de dois livros geniais, Rath deixou a literatura antes mesmo de começar a escrever.
Rath era a pessoa certa para ouvir minhas lamúrias. Embora subeditor, ele raramente participava do fechamento. Seu verdadeiro papel no jornal era o de imaginar pautas supostamente malucas que rendiam matérias geniais. E descobrir, a cada nova leva de estagiários, os focas mais promissores. Eu já o conhecia do meu primeiro período como estagiário na Reportagem Geral do Diário de Notícias, no ano de 1973, e foi ele quem me descobriu...
Vou abrir parênteses para queimar meu filme e contar como foi. Rath era, então, o editor nacional do DN. Meu chefe de reportagem era um grande sujeito chamado Alfredo Schleumer, que se matou e eu nunca soube o motivo. Tomara que não tenha sido por causa de alguma bobagem que eu escrevi.
No jornal da Rua do Riachuelo, antes de entregar minha primeira matéria assinada ao Alfredo, mostrei-a aquele sujeito estranho com quem havia simpatizado de cara porque ambos gostávamos de corridas de cavalo. Eu estava até participando de um filme sobre turfe, no Curso de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF), com meus colegas Albertino da Paz Ferreira e Chico Moreira, e ele tinha virado meu consultor.
Rath tirou os óculos da cara para ler meu texto à maneira dele, quase de olhos fechados. Vista cansada misturada com miopia. Sua resposta me desarvorou:
— Elegancinha, você é um gênio! Cometeu um erro de concordância maravilhoso, que há muito tempo ninguém cometia mais. Eu já estava saudoso desse erro. Gê-ni-o! Você é gê-ni-o!
Pois é, a matéria sobre o pintor João Câmara não estava lá grande coisa, mas acabou saindo depois de uma bela copidescada, se não me engano, do talentoso redator Luís Carlos Cabral. Onze anos depois, como disse, eu me queixava ao João Rath de que não tinha o que fazer.
Ele sorriu:
— Nem eu, elegancinha!
Eu, meio indignado:
— Mas eu não estou gostando disso!
Rath, muito sério:
— Eu não estou preocupado, mas precisamos fazer alguma coisa por você. Me deixa pensar.
Foi tomar um cafezinho. Na volta, anunciou:
— A partir de amanhã começam suas aulas de tango!
Eu já não estranhava mais nada vindo do autor da frase mais engraçada que ouvi sobre o jornalismo:
— De todos os que me fazem sofrer neste mundo, o único que me paga é o Roberto Marinho!
As aulas consistiam no seguinte: Rath me trazia montes de letras de tango argentino e me contava, através delas, a história desse gênero musical. As letras eram inteligentes, engraçadas. Me apaixonei pelo tango, embora nunca tivesse vontade de aprender a dançar. As aulas eram dadas bem ao lado do mesão do editor, Luiz Alberto Bettencourt. Eu e o Rath sentávamos em dois bancos altíssimos. Quem passava por perto e ouvia a nossa conversa, dobrava a espinha de rir.
Em plena hora do fechamento, um redator e um subeditor que não tinham mais o que fazer ficaram mais de uma semana alheios a tudo. O país na maior confusão. Final da ditadura militar, Brizola governador, campanha das diretas quase nas ruas, e nós ali, nos dois bancos altos, como os que eram ocupados pelos alunos burros de castigo, nas salas de aula, dissecando as letras de Cambalacho, Cafetín de Buenos Aires, Mano a mano etc.
Até que um dia, o editor Luizinho, normalmente bem-humorado, não se conteve e deu um berro que a redação inteira ouviu:
— Vamos acabar com essa palhaçada aí! Tem trabalho à beça!
O Bruxo João Rath piscou o olho:
— Viu, elegancinha? Está tudo resolvido.
A propósito, a foto lá no alto é do gênio Carlos Gardel, que canta Cambalache, de Enrique Discépolo. Basta clicar na seta.
14 comentários:
Frei Rosário, apelido colocado, evidentemente, por Rath, é Ronaldo Reis, que fez mestrado e anda por aí dando aulas, mas depois do Globo foi da comunicação do Palácio Guanabara, e assessor da UFRJ, entre outras coisas.
Outro apelido dado por Rath:
Marechal (Mauro Malin, redator na mesma época dessa turma citada, por causa do marechal russo Malinovski)
Outro apelido que não é do Rath, mas é genial: Preá de Quermesse, para um outrora todo-poderoso que foi encostado sem função. Deram-lhe um salinha no fundo da redação. Ele rodava para lá e para cá e entrava na salinha, como naquele jogo de quermesse em que a gente aposta no número da casa em que a preá vai entrar, depois de entontecida sob uma caixa de sapatos no meio do círculo de casinhas. Com o advento da ecologia e do politicamente correto, esse jogo deve ter acabado. Ou acabaram as quermesses.
Hahaha, muito bom!
Que figura este subeditor e que divertido foi este cambalacho!!
Rendeu boas risadas.
Não delete o blog, por favor. Ainda não li as outras postagens.
abs
Bem lembrado, Bá. E grande figura o Ronaldo Reis, aliás,Frei Rosário. Lembro também do Preá hahaha. Outro figuraço. Edu, assim era o Rath. Apenas botei no papel. Valeu pela visita e continua por aqui.
Mandei o link do blog pra seu conterrâneo Paulo Lima, jornalista de Aracaju que nunca passou por uma redação e nunca viveu histórias tão gostosas como essas que você anda contando. A propósito, não nos prive desse prazer.
Que saudade, Zé, daqueles tempos e, principalmente do Rath.
Frei Rosário não era o Gildávio? Não me lembro se o Mário Rola ainda estava por lá, mas vc esqueceu do Flores... da Cunha, o decano junto com o Vianna. Quando sai em 85 ele ainda era o principal redator, gaúcho como o Rath e com ele memória de histórias fantásticas dos pampas.
O "Marechal" andava pelo Observatório da Imprensa, virou paulista. Beijão, não denote o blog que já está nos favoritos. soniab
Sônia, por onde andas? Me passa teu e-mail pra trocar figurinhas. Estou querendo contar mais histórias de redação. Se lembrar algumas (não o Algumas, do Garcia), manda pra mim. O Bá já lembrou numa mensagem lá atrás: Frei Rosário é o Ronaldo Reis. Gildávio, por causa daquela matéria do Esso, acho que era Praga de Mãe, um troço assim hehe! O Flores, claro, também estava lá, mas não nesta época a que me referi (entrei na vaga do Mauro Malin e o Barcimio na do Lutero, depois nosso editor). Acho que ele esteve antes ou depois, agora não me lembro. Meus registros maiores do Florita (ele tinha outro apelido, como era mesmo?) são do JB. Dê notícias!
O Flores tinha um apelido no diminutivo, com certeza. Acho que era Amiguinho, algo assim.
Entrei na vaga da Maria Inês Duque Estrada. Ainda peguei o Lutero, que logo depois foi para aquela Última Hora maluca que durou 45 dias, em preto e branco, com o U na primeira página, o L na segunda, o T na terceria e assim por diante, ideia mais maluca ainda do José Carlos Avelar, diagramador e crítico de cinema.
Mauro Malin apresenta o Observatório da Imprensa pelo rádio, todo dia útil às 10h na MEC.
Também peguei o Flores, que logo depois se aposentou, foi para Furnas e em pouco tempo escreveu um artigo contra seu superior hierárquico maior, o ministro de Minas e Energia, Aureliano Chaves, porque falara mal dos imigrantes. Claro que a aposentadoria é que ficou valendo...
Para informação de quem não o conheceu, se chamava Aloísio, ou Aluísio, ou Aluízio, ou Aloízio, ou uma dessas quatro sem acento. Coisas de um país que chama Filipe (Philippe) de Felipe, Manuel de Manoel, Alger (Algéria) de Argélia, Cameroon de Camarões (shrimp) e outras ignorâncias cometidas até por quem tem doutorado e que vão se perpetuando.
Zé, Bá, o e-mail é soniabbarros@gmail.com. Deem notícias.
O Flores, se não me engano, era AlOisio (com O e sem acento) e o Gildávio era mesmo "Praga de mãe", troquei as bolas pq não me lembro do Ronaldo Reis. Tinha tb a Olga Curado na coordenação e por uns tempos o Sergio Fleury.
Qdo sai para o JB, o Franklin - que era frila de de pescoço e fins de semana - teria ficado no meu lugar, mas o ECA vetou. Daí levei ele pro JB do Marcelo Pontes como editor. O Marechal pouco depois se juntou a nós.
Belíssima história, Dinda, quer dizer, Elegancinha!
Gostei de ver! Fiquei uns dias por fora dos blogues, o bicho aqui tá pegando!
Muito bom ler isso, eu sou filho do Albertino da Paz Ferreira e meu pai não me fala muito sobre a vida acadêmica dele. Mó barato!
Caramba! Vendo hoje a TV falando do Complexo do Alemão e de Brás de Pina, lembrei de ter comido umas empadas e tomado umas cervejas com o Albertino num boteco recém-inaugurado nesta mesma avenida. Mande um abraço pro teu pai, que é um figuraço. Meu email é josesergiorocha@gmail.com. Fala pro cara me ligar. Aliás, ele é citado em outros dois textos do blog, um sobre turfe e outro com o título de Mamãe Dolores.
Ou melhor, me manda um email com o telefone dele, que eu ligo. Não dou meu telefone aqui por razões óbvias.
Zéeeé,agora entrei em crise de identidade: o Rath também me chamava de Elegancinha. Será que era porque eu era a sua reportinha? Foi graças a ele que entrei para o Globo, depois do estágio, ele era deliciosamente louco. E aquelas figuras que gostavam fazer cara de mau e ficavam dentro do aquárioW Lembro que o Evandro, para aprovar a minha colega de turma para o est´gio, a Maristela do Jornal de Bairros, mandou que ela cantasse, não a ele, mas uma música qualquer. Ela cantou e entrou. Eu acho que ali eu sairia, eu ia perguntar mas cantar quem, cara pálida?
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