terça-feira, 27 de julho de 2010

DIVAS ENSANGUENTADAS NO BANHEIRO DA RÁDIO


Em 1973, com ditadura e milagre econômico, os jornais eram proibidos de quase tudo. Foi o ano em que comecei na profissão, trabalhando em dois jornais. Das 9 ou 10 da manhã até 4 da tarde, no Diário de Notícias, e das 5 até 10/11 da noite, no Jornal do Brasil.
Foi um breve período, pouco mais ou menos de um ano no nº 114 da Rua do Riachuelo, mas tão estimulante quanto meu começo no JB. Talvez ainda mais porque no DN fui estagiário, depois repórter da Geral, ganhando... o quê mesmo? Ah, sim! Ganhando experiência.
Salário não havia. O jeito era recorrer a vales, que eu peguei poucos, pois tinha medo de ouvir um não. O jornal, apesar de dirigido por gente íntegra, a começar pelo chefe da redação Múcio Borges, a amabilidade em pessoa, não tinha dinheiro para pagar todo mundo, ainda mais gente nova e inexperiente, que devia estar agradecida por ganhar cancha.
Passei um período fazendo polícia, ora era escalado para cobrir assuntos religiosos (nas férias da Marinilda Marchi, o nome da bela na época), ora fazendo matérias para outras editorias.
Eu tentava caprichar tanto nos lides que a coisa não fluía. Tinha que ouvir calado gozações maravilhosas como a de certo editor chamado João Rath: “Elegancinha, você é um gê-ni-o! Há muito tempo não vejo esse erro!”. Mas essa história já contei em algum lugar aí pra trás, neste mesmo blog. Ou de ter a primeira matéria assinada (sobre o pintor João Câmara) totalmente reescrita por outro colega, o tcheco Luís Carlos Cabral.
Enfim, eu devia melhorar. Como melhorar? Arranjando rapidamente um furo de reportagem. Acho que eu sonhava com o editor-chefe gritando “Parem as rotativas! Parem as rotativas!”. Se não sonhei com isso, deveria.
Eis que, do nada, surgiu minha oportunidade. Estava de plantão no jornal, acho que num sábado, quando bateu o telefone. A linha estava péssima mas deu para ouvir um pesquisador ensandecido dizendo que Emilinha Borba e Marlene estavam jogadas no chão de um banheiro da Rádio Nacional.
A ligação caiu e o sujeito não tornou a ligar. Mas a afobação de iniciante não estava nem aí para confirmação de algo que eu já via estampado na primeira página. E a imaginação fértil do mesmo iniciante fez o resto. Eu sabia desde criancinha da disputa encarniçada entre as duas cantoras e seus respectivos fãs-clubes e pensei logo no pior.
O pior era o melhor para mim: um furo.
Pedi fotógrafo e motorista e seguimos para a Praça Mauá nº 7. O porteiro, que devia ser também um novato, auxiliar de portaria escalado para trabalhar no fim de semana, ficou assustado quando perguntei se as rainhas do rádio haviam saído no tapa e estavam se esganando no chão do banheiro da emissora.
Como viu que eu estava acompanhado por um sujeito fortão, o fotógrafo Lúcio Marreiro (que não acreditou na história, mas assim mesmo foi na onda para curtir com a cara do foca), e que havia um carro de reportagem na porta, nos deixou entrar.
Não sei como, ninguém nos parou, ainda não havia essa frescura de crachá sendo pedido a todo instante. Fomos até o andar da emissora. Passamos pelo auditório, uns e outros que estavam em um estúdio pareceram estranhar, mas também não ficaram no caminho.
“O que vocês devem estar procurando está logo ali”, disse um camarada de cabelo ruivo, com certeza pintado, quase sussurrando. Era a minha fonte, com certeza.
Chegando ao local do crime, o tal banheiro, nenhum vestígio de divas ensangüentadas. Mas realmente estávamos diante de um crime: rolos de gravação e documentos apodrecidos empilhados entre a latrina e a pia. O fotógrafo explodia de tanto rir. A matéria só foi sair na terça ou quarta-feira seguinte, como nota de colunão, para irritação do meu chefe de reportagem, o gente boa Alfredo Schleumer, que fez questão, no dia seguinte, de me entregar duas cartas de leitores indignados com aquilo. Um deles sugeria que aquelas caixas e rolos fossem imediatamente levados para o Museu da Imagem e do Som, que incorporou no ato o acervo fedendo a xixi.
Não durei muito no emprego. Logo arranjei outro, numa agência de notícias, onde eu recebia, sim, todo final de mês, além de continuar na Editoria Internacional do JB.
Foi uma boa saída, apesar da opinião contrária do meu chapa João Batista de Abreu, que foi para o Diário de Notícias dias depois de minha saída.
"Por que você não volta pra lá? Entrou um grupo novo, com dinheiro. Quem manda agora é o Olímpio Campos".
Até deu vontade.
Semanas depois perguntei ao João Batista como estava no emprego do DN.
"Tá ótimo, tô aprendendo muito, fui até aumentado em 30%!".
Êpa! O que foi que eu perdi...
"Só tem uma coisa, Zé", fez questão de dizer o João. "Fui aumentado em 30% e devo ter outro aumento qualquer dia desses, mas o Olímpio não paga!".
Escapei, assim, de entrar na famosa fila do banco dos credores do Olímpio, onde só recebia o primeiro da fila. Quem chegasse primeiro ao guichê, levava.
O novo chefão do velho jornal dos militares e das professoras inventou o famoso "cheque olímpico". Só recebia o papel quem corria e chegava na frente.
Na vitrolinha Philco, "Fanzoca do rádio", de Miguel Gustavo, na voz do palhaço Carequinha.
Extra! Extra! O blogueiro se enganou. Os horários não conferem. De manhã eu tinha aula na UFF. Entrava no DN pouco depois do meio-dia (saía um pouco mais cedo da última aula, quando tinha aula, e partia voado de Niterói para a Riachuelo). Quando surgiu a oportunidade de me profissionalizar no Diário de Notícias, fiquei só mais um mês, porque estava de férias escolares. Saí logo depois. O horário da agência era quase o mesmo do estágio, com uma hora a mais (cinco horas) e por isso deu pra ter esse segundo emprego no tempo do IACS. A idade é uma eme.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

WILSON GREY E JOHN WAYNE NA TERRA DO SOL



A expressão de Wilson Grey era a mesma, e a idade talvez seja também. Em 1975 ou 1976, sei lá, o grande buchicho na minúscula Travessa Ator Jayme Costa era a competição sobre quem seria o ator recordista de filmes do planeta. Nós, do curso de Cinema da UFF, por motivos patrióticos, sentimentais, corporativistas, ideológicos e etílicos, torcíamos descaradamente pelo eterno vilão do cinema nacional. Ainda mais porque seu competidor direto era John Wayne, o cowboy americano, o sobrinho favorito do Tio Sam e do Tio Patinhas.
Enfim, Wilson Grey era a esquerda latino-americana, e John Wayne, o capitalismo imperialista. A competição ganhou as páginas do Caderno B e de outros suplementos culturais. A coisa ficou animada.
Tudo bem que outro brasileiro, o grande José Lewgoy, também era um vilão, só que refinado, chefe de gangue, mentor de crimes horrendos, por vezes até usando monóculo.
Wilson Grey era o vilão pobre, suburbano, de má formação dentária, semialfabetizado que tentava “falar difícil”. Lewgoy era um grande ator e cansou de atuar em papéis principais. Grey foi o melhor dos nossos coadjuvantes e só uma vez na vida (“O mágico e o delegado”) teve o papel principal.
Virou uma espécie de programa de alguns alunos de Cinema dar uma passadinha na travessinha da Cinelândia, onde atores e técnicos se reuniam para saber das novidades – quem estava filmando, onde poderia pintar trabalho etc.
Nosso barato era entrar na conversa daqueles malandros velhos, tentar uma vaguinha qualquer nos filmes. A coisa sempre terminava ali bem perto, no bar Tangará, para fechar o fim de tarde com as primeiras doses da noite.
Foi nessa época que meus chapas Albertino da Paz Ferreira e Chico Moreira tiveram a ideia de fazer um filme no Jockey Club, na Gávea. Me chamaram para cuidar do som, pilotando um sensacional e moderníssimo gravador Nagra. Moderníssimo foi modo de dizer.
O título da pantalla seria “Ponta e Placê”. Tomada a decisão, pegamos o Nagra 4 e a Arriflex BL 16 mm que a Embrafilme sempre emprestava aos alunos da UFF e partimos rumo ao prado. Foram vários dias de filmagem. Falamos com treinadores, jóqueis, bilheteiros que sempre queriam nos passar uma barbada (davam falsas barbadas para todos, na esperança de ganhar um qualquer, caso o chute desse certo) e até com o Bolonha, figura imponente e folclórica do lugar, neto ou bisneto do Duque de Caxias e eterno adversário da família Paula Machado.
Minha geração foi marcada por muitos projetos irrealizados e o “Ponta e Placê” foi um deles. Ficou só no copião, esquecido em algum canto do IACS (Instituto de Artes e Comunicação Social) da UFF.
O diretor Albertino sumiu da área por uns tempos, depois resolveu ficar somente com seu emprego no Banco do Brasil. O fotógrafo e montador Chico Moreira conheceu Sílvio Tendler, com quem trabalhou nos documentários sobre Juscelino e Jango. E eu resolvi que seria só jornalista, que esqueceria aquele negócio de virar roteirista.
Mas esse projeto, mesmo não tendo ido adiante, teve um “the end” à altura. Numa das filmagens na parte externa do hipódromo, perto da bilheteria, havia um telão para que os apostadores que não queriam ver a corrida lá dentro, nas cadeiras, pudessem acompanhar os resultados de cada páreo ali fora.
Adivinhem quem estava lá. Ele mesmo, Wilson Grey.
Malandro de raciocínio rápido, bastou ver aqueles três garotos empunhando Arriflex, Nagra, pau de luz e claquete para ficar no enquadramento perfeito. Coisa de profiça. Olhando o telão, atento, mordendo a haste dos óculos, simulou que havia acertado o cavalo ganhador e deu até um pulo para comemorar.
“Corta!”, disse o Albertino, emocionado com a cena.
No que o velho ator vibrou:
“Eu, eu, eu! John Wayne se fodeu! Ganhei, porra! Com este, são 251 filmes!”.
Na verdade, não lembro o número de filmes que ele citou. O fato é que John Wayne teria feito 250 filmes, quase 99% deles como ator principal. Dane-se! Wilson Grey correu por fora, passou o alazão ianque e venceu por uma cabeça, sem necessidade de esperar o photochart para conferir.
Quer dizer, foi o que pensamos na ocasião.
Infelizmente, Wilson Grey morreu puto da vida com essa história de recorde. Parece que do John Wayne ele ganhou mesmo, em quantidade de filmes. Mas na última volta, surgiu do nada, em outra raia, um fdp de um ator indiano, pioneiro daquilo que ficaria mais tarde conhecido como Bollywood.
Superou, por um ou dois filmes, o verdadeiro homem que matou o facínora e o inimigo de Oscarito e Grande Otelo.
E ainda deve ter comemorado à moda Grey:
“Eu, eu, eu, o Ocidente se fodeu!”.
Na trilha sonora, "Os Bohemios", de Anacleto de Medeiros, com o Art Metal Quinteto.

BAR NATAL, UM FILME FEITO SOB EFEITO DE ÁLCOOL


O filme "Bar Natal", dirigido por Wilson Paraná, na época aluno do curso de Cinema da UFF, pode ser encontrado no Youtube. Os frequentadores habituais, 30 anos mais novos, falam bobagens (o som é péssimo, ainda bem) e bebem cerveja e destilados em quantidades absurdas. O âncora da esbórnia é o Lauro Faria. O bar fechou dias depois dessa filmagem para ser demolido e dar lugar a um shopping. Foi divertido enquanto durou.

GP POR GP, PREFIRO OS CAVALINHOS

Automobilismo não é esporte. É um negócio que movimenta muito dinheiro. Felipe Massa e Fernando Alonso ontem reviveram o papelão de Rubens Barrichello e Michael Schumacher em 2002. Falam tão mal do turfe mas não vejo diferença. Foi escandalosa a atitude da Ferrari enquadrando o piloto brasileiro. No turfe, até troca de cavalos já houve, mas acho um negócio – sim, um negócio – mais divertido. Já fui chegado ao turfe no tempo em que fazia o curso de Cinema da UFF e um colega teve a ideia de fazer um curta em 16 mm no hipódromo da Gávea. Durante alguns anos, andei por lá. Ganhei algumas vezes, sempre apostando em pangarés com nome de filme. Era solteiro e, certa vez, voltei para casa com o dinheiro do aluguel tirado das patas de um azarão chamado High Noon. Parei antes de me viciar, mas bem que eu gostava de ver os cavalinhos na pista. Havia muita fofoca. Por exemplo, no dia do aniversário de determinado treinador, o G., o cavalo montado pelo jóquei P. sempre vencia no terceiro ou quarto páreo. Fraude, sim, porém café pequeno diante desse episódio acintoso da Ferrar e dos valores envolvidos.

domingo, 25 de julho de 2010

SETE PERGUNTAS PARA O PAI DO GOOGLE


Muito antes da internet, programas de rádio ensinavam o significado de palavras e tiravam dúvidas sobre temas diversos. Um major da PM, por exemplo, se apresentava no Programa César de Alencar, da Rádio Nacional, com o próprio nome. O quadro se chamava “Romário, o Homem-Dicionário”. Na Rádio JB havia o programa “Pergunte ao João”, sobre o qual acabo de ler na Wikipedia:
“Programa criado pela Rádio Jornal do Brasil do Rio de Janeiro em 1960, também exibido pela TV Rio canal 13 à partir de 1963, com apresentação de Irene Ravache. O programa constituia em perguntas dificeis, feitas pelos ouvintes ou telespectadores, sobre temas diversos, que sempre eram respondidas por seu criador, o pesquisador e professor, João Evangelista. O programa teve tanto sucesso que foi lançado um livro em 1962 pela editora Conquista. De acordo com definição de muitos saudosistas de hoje, o "Pergunte ao João" era uma espécie de Google da época, tirando as dúvidas dos mais variados assuntos”.
Humor tira férias?
Interessante a preocupação com os programas de humor que, a partir do início da campanha presidencial, estão impedidos de levar ao ar quadros que ridicularizem os candidatos. Assustador que os jornais chamem de “repórteres” os cômicos do abominável CQC e do indigente Pânico na TV. Hilariante que os “cassetas” digam que não existe a intenção de “prejudicar um ou outro candidato”. Mas o humor "editorial" não tira férias. Será que as trupes citadas vão dar um jeito de esculhambar (preferencialmente) a Dilma, (com suavidade) a Marina e (falando de feiúra e outras bobagens que não dizem nada ao eleitorado) o Serra?
A IstoÉ foi na mosca?
Diz a revista IstoÉ que o inacreditável candidato a vice Índio da Costa, o da merenda escolar, que tentou vincular o partido do governo ao narcotráfico colombiano e foi “repreendido” pela campanha de José Serra, não falou sozinho. Índio apenas teria deflagrado a estratégia de espalhar pânico pré-eleitoral. Na mesma edição da IstoÉ, uma boa lembrança: Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado, paparicou as FARC em 1999, quando era secretário-geral do partido e líder do governo Fernando Henrique Cardoso no Congresso. O PSDB tem algum trato com o narcotráfico?
Endereço certo?
Wanderley Luxemburgo acaba de se oferecer para ajudar o novo técnico da seleção brasileira, Mano Menezes, “no que for possível”. É aí que mora o perigo? Devemos fazer como o índio amigo do Kid Morengueira e gritar: "Cuidado, Manôôô"?
Tem vulves vulves no chicken house?
Leio no blog de Paulo Moreira Leite que Sérgio Machado, atual presidente da Transpetro, é o nome do PMDB para suceder Sérgio Gabrielli na Petrobras. Me respondam uma coisa: se eu fosse acionista da empresa, ou ainda fosse petista, começava a chiar desde agora ou esperava 2011?
Quem abiscoitaria o Prêmio David Nasser?
Alguma entidade deveria lançar o Prêmio David Nasser para oferecer ao jornalista que mais se esmerar em ataques levianos ao governo Lula. David Nasser, excelente letrista da música popular brasileira, é hoje mais lembrado pela torpeza dos ataques aos políticos que contrariavam os interesses de seu patrão Assis Chateaubriand e da direita brasileira em geral. Quem é seu candidato, leitor?
Serial ou bacalhau killer?
Mas que estrago que o sujeito andou fazendo, hein? Teria mandado matar o pai adotivo, o matador do pai adotivo, o gerente do restaurante, um garçom, o advogado, um policial que foi investigar e até o pai-de-santo que sabia da encrenca toda. Sete vítimas na cadeia alimentar. Fui uma vez ao Rei do Bacalhau da Ilha e gostei do bolinho. Nem passou por minha cabeça que o dono poderia fazer o papel do vilão de Criminal Minds. Tecnicamente, disseram alguns entendidos, o cara não pode ser considerado um serial killer. É ou não é?
Que filme é este?
Falando no Bacalhau Killer, que tal esse enredo: pai de família exemplar, carinhoso com a mulher e os filhos, recusa-se terminantemente a vender drogas. Por causa disso, outros pais de família zelosos decidem matá-lo. Mas nosso herói morre de causas naturais. Os mandantes do crime, no entanto, são mortos um a um. Esse filme cansa de passar nos canais por assinatura. Só perde para Notting Hill. Que filme é este?
No fundo musical, Ed Lincoln e sua orquestra. Não tenho em casa e nem encontrei na internet a gravação mais conhecida, da Clementina de Jesus.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O JORNAL DO BRASIL VALE UMA FEIJOADA. CADÊ A BENA?


Quem inventou o pescoção não sei, mas lembro da noite de sexta-feira em que começou esse trabalho que avançava a madrugada. O Globo já havia lançado a edição de domingo e o Jornal do Brasil, no acerto que os dois diários mais importantes da cidade fizeram, passou a circular também às segundas-feiras. Uma marca desse período foi o lançamento do caderno de Esportes às segundas com a coluna de Carlos Eduardo Novaes dando palpites sobre a Loteria Esportiva, que também era coisa recente. Isso aconteceu no início dos anos 70.
Não havia salário-ambiente (*) que compensasse o desgaste de adiantar a edição dominical do JB logo após o fechamento do jornal de sexta. A grita foi enorme, a frustração tomou conta do povo do JB, mas as piadas também não demoraram. Uma delas do Poli, contínuo da Editoria Internacional, cujo nome completo é Alcides Hipólito da Boa Morte.
Poli era um figuraço. Como o jornal, com raríssimas exceções, só tinha adversários da ditadura, divertia-se elogiando o general de plantão.
“O Médici é um homem bom. Quer o bem do Brasil e de nós todos. Melhor do que ele só esse que vem aí, o Geisel. Dizem que é uma pessoa muito legal e educada”.
Quando soube do pescoção, mandou esta, com aquela voz rouca de malandro da Penha:
“O doutor Brito só está querendo o bem de todos. Quer ver vocês com saúde. Acabou a história de biritar nas noites de sexta-feira. Assim vocês acabam doentes, vão morrer cedo. O homem é bão demais com a gente”.
Quem disse que a farra das sextas ia terminar assim, a seco?
O pessoal da Economia tomou a frente e espalhou por um mesão vinhos e queijos. Ideia do subeditor da Economia Luiz Larqué que a dupla de editores da Internacional, Renato Machado e Luiz Mário Gazzaneo, copiou de bate-pronto. Foi a primeira vez que vi um croissant na vida. Fazia confusão com o tal do escargot. Outro viralata, o redator Osvaldo Maneschy, quase foi demitido por levar duas bisnagas e 200 gramas de mortadela.
Os vinhos eram de excelente qualidade, coisas do chefe Renato, que em breve se tornaria autoridade no assunto. Os banquetes na Economia e na Internacional atraíam o povo de outras editorias, onde a ideia foi aperfeiçoada pelo pessoal que preferia os líquidos.
No Copidesque, Joaquim Campelo malocava na gaveta uma garrafinha de tiquira, aguardente do seu Maranhão natal.
Roberto Alvarenga preferia descer a intervalos regulares e, dentro de seu carro, no “Globo no Ar” (o estacionamento do jornal tinha esse apelido), bebericava o Underberg velho de guerra.
Na Geral, Carlos Rangel punha um copo cheio sobre a mesa. Parecia Coca-Cola. E era. Misturada com cachaça. O popular Samba em Berlim.
Certa noite de sexta, o banquete aconteceu depois de meia-noite, por iniciativa de duas queridas colegas – Maria Ignez Duque Estrada, que emprestou sua casa de vila no Jardim Botânico, e Benalva Vitório, que preparou uma feijoada com tempero africano.
A santista Benalva, grande figura trazida para o jornal pelo editor Juarez Bahia, era recém-casada com o Max, ex-guerrilheiro que virou comandante da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) – hoje próspero empresário em Portugal. A Bena incrementou a feijoada com ingredientes trazidos da África Oriental. Cerca de 50 pessoas deram as caras no Jardim Botânico. A feijoada foi servida por volta de 1h da manhã. Saímos para fazer o quilo no calçadão do Leblon ou de Ipanema e, lá pelas 4h, voltamos para mandar ver o segundo prato. Foi a melhor feijoada que comi até hoje.
Isso só acontecia no velho JB, que chegou ao fim. Fiquei sabendo que hoje à noite, no programa Observatório da Imprensa, o Alberto Dines vai exibir trechos do documentário “Avenida Brasil, 500”, que Regina Zappa, Sérgio Sbragia e Rogério Reis estão fazendo sobre esse jornal de tantas histórias.
(*) Salário-ambiente é uma expressão inventada pelo pessoal do JB, onde não se trabalhava somente pelo dinheiro, mas também pelo clima legal daquela Redação. Claro que isso ficou no passado a partir dos anos 90, quando o jornal foi arrendado.

domingo, 18 de julho de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA FOTO E MIL PALAVRAS

Não vai dar certo esse negócio de um advogado, teoricamente pago pelo goleiro, defendendo todos os suspeitos. A operação para fazer do Bruno o menos culpado de todos pode não dar certo, mas será pelo menos tentada. Já tem gente mudando o depoimento.
Teoricamente pago porque o dinheiro do Bruno já deve estar chegando ao fim. Ainda mais agora que se sabe onde ele pode ter também deixado sua grana: na conta de outro suspeito, o Macarrão.
O fato positivo, se é que existe, nesse episódio macabro, foi a decisão do Flamengo de alterar a forma de seus contratos. Os outros clubes brasileiros deviam fazer o mesmo. No entanto, o Flamengo podia ter ido mais longe e estendido a cláusula sobre imagem para todos os atletas, dirigentes e funcionários. E o tal cartola suspeito de pedofilia? Não se fala mais nisso, seja para confirmar ou desmentir a boataria?
Pedófilos sempre foram ervas daninhas no esporte. No futebol de praia, era um horror. Cresci ouvindo histórias patéticas sobre garotinhos escalados para os times porque caíam nas boas graças do treinador, se é que me faço entender. O caso mais rumoroso envolvia um técnico do Lá Vai Bola, equipe do Posto 6 de Copacabana.
Tá bom, isso foi nos anos 60. Mas nos anos 70 e 80 continuei ouvindo as mesmas histórias, inclusive no futebol de campo. Pra não dizerem que estou falando mal do Flamengo, houve um caso semelhante no Botafogo, quando uma diretoria resolveu incorporar a seus quadros um ex-dirigente do São Cristóvão.
Outra coisa estranha nessa novela do Bruno é o tratamento que alguns jornais dão às marias-chuteiras. O cara é casado, mas tem um monte de ex-noivas. A que morreu, coitada, quase sempre é chamada de ex-amante.
Pra encerrar: a foto da capa do jornal "O Dia" de hoje, sob o título "Bruno e Macarrão viviam uma relação de ciúme doentio". O que dizer em mil palavras aquilo que uma foto apenas não tenha contado?

quarta-feira, 14 de julho de 2010

I WANT MY MAMMY, I WANT MY MAMMY


Este blog, logo na primeira postagem, alinhou-se à doutrina marxista e, de cara, elegeu os irmãos Marx – Groucho, Harpo e Chico - seus gurus. Eram cinco irmãos no total, mas dois não tinham graça nenhuma. Neste vídeo aí em cima, que meus chapas Lauro Faria e Eduardo Varela me enviaram quase na mesma hora – são dois ratos do Youtube –, os impagáveis Harpo (o mudinho, de cabelo encaracolado) e Chico Marx (que nos filmes vivia a figuraça que era na vida real, um jogador contumaz que só andava duro e extorquindo os irmãos) fazem o diabo num piano, tocando “Mamãe eu quero mamar”, da dupla brasileira Jararaca e Ratinho. O filme “The Big Store” é de 1941. A marchinha, ainda hoje tocada em tudo quanto é bloco de carnaval carioca, foi popularizada nos EUA e no resto do mundo por Carmen Miranda.

LEI DA MELANCIA: EXPEÇAM-SE OS ALVARÁS!

Meu chapa Jurandyr Danielli enviou um despacho antigo e inusitado do juiz Rafael Gonçalves de Paula, da 3ª Vara Criminal de Palmas, capital de Tocantins. Uma peça jurídica pra lá de sensata que a Escola Nacional de Magistratura incluiu em seu banco de sentenças. Foram réus do processo dois acusados de furtar duas melancias. O juiz Rafael agiu como os magistrados deveriam agir com mais frequência, mandando a letra do Direito às favas e tomando o partido da Justiça. Por isso, ele acaba de ganhar deste blog o Prêmio Capistrano de Abreu (o autor da melhor Constituição do planeta, dá uma olhada no textinho lá no alto do blog, à direita).
Vejam que beleza de texto:

“Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.
Poderia brandir minha ira contra os neoliberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás.
Intimem-se.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito”.

terça-feira, 13 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A HUMANIDADE É INVIÁVEL?

Os crimes da minha infância eram poucos. Crimes violentos? A gente levava anos para saber de algum. O caso da Fera da Penha, que matou uma criança, filha de seu amante (ou amásio, como diziam a “Luta Democrática” e “A Notícia”), foi assunto durante décadas.
O assassinato de Aída Cury, estuprada e lançada do alto de um prédio na Zona Sul, assombrou muita gente, porém menos que o caso da menininha morta pela mulher rejeitada.
O maior bandido da minha infância, Mineirinho, era um pobre coitado. Ganhou fama por causa do calibre de sua arma, uma 45, mas não por maldades gratuitas. Assaltava casais na Vista Chinesa, levava o dinheiro e o Fusca, mas os namoradinhos saíam ilesos. Cara de Cavalo ganhou destaque por ter matado o policial mais temido do Rio de Janeiro. Foi morto com cento e tantos tiros.
Uma vez, no Globo, contribuí para uma matéria, em parceria com Antônio Werneck, que tinha como título “De Mineirinho a Uê, os inimigos públicos nº 1 do Rio de Janeiro”. A coisa realmente foi piorando a partir dos anos 80.
A Fera da Penha cometeu seu crime bárbaro no início dos anos 60. Antes dela, o símbolo maior da crueldade em terras cariocas foi um doente mental chamado Febrônio Índio do Brasil, que 40 anos antes, na década de 1920, estrangulava adolescentes que resistiam a suas investidas homossexuais.
Amantes desalmadas, tarados enfurecidos, playboys drogados eram as referências que tínhamos de criminosos sádicos. Pais não matavam filhos, crianças não matavam pais, ídolos davam bons exemplos. Não sou, como canta Paulo César Pinheiro, do tempo das armas.
E a gente levava anos para saber de alguma crueldade. O intervalo caiu bastante, no Brasil e no mundo. Os casos de Daniela Perez e Isabella Nardoni foram apenas dois entre muitos. Ainda estupefatos (não existe outra palavra que diga tanto sobre a reação a esse tipo de coisa) com o caso Bruno, leio hoje no G1 que uma adolescente brasileira de 15 anos é suspeita de ter incinerado os pais e a irmã na cidade de Takarazuka, no Japão.
Lembro de um tempo, em minha segunda temporada no Jornal do Brasil, início dos anos 90, em que era responsável por certa página da Editoria Nacional que, volta e meia, respingava sangue. Um dia, na reunião de pauta da tarde, quando chegou minha vez de enumerar os assuntos do dia, o editor Orivaldo Perin tascou:
– E aí? Qual é a de hoje na página “A humanidade é inviável”?

sexta-feira, 9 de julho de 2010

MEU PÉ DE LARANJA + MEU PÉ NA ÁFRICA

Vou torcer pela Holanda. E contra a Espanha. Os espanhóis, tão bem recebidos quando emigraram para o Brasil, deram para maltratar brasileiros. O sucesso de sua economia subiu-lhes a cabeça e, tal como acontece em outros países europeus, passaram a discriminar os imigrantes. Fora isso, foi lá que a Inquisição pegou firme. E essa tal de Fúria!? Sempre teve esse apelido e só agora vai disputar uma final de Copa. Cervantes? Só se for o boteco, por causa do sanduba de lombinho com abacaxi. Além disso, tenho bronca do Santander e da Ampla, essa porcaria de concessionária que espanhóis e chilenos montaram em Niterói. Viva Anne Frank! Viva Maurício de Nassau! Viva Van Gogh! Viva meu bisavô Miguel que chegou ao Brasil com uma mão na frente e outra atrás e casou com uma negona, minha bisa França, a melhor figura de meu laranjal genealógico! (P.S. – Considerando que esse blog não deu uma dentro em suas apostas na Copa, se os holandeses perderem também, azar o deles...).

sexta-feira, 2 de julho de 2010

PERDEMOS POR UMA CABEÇA


Mesmo não tendo ainda nascido em julho de 1950, me considero, por solidariedade a meu avô que quase enfartou no local da tragédia e nunca mais foi a estádio, um dos 53 milhões de brasileiros que saíram desolados do Maracanã (dizem que eram quase 200 mil pessoas no Maraca, mas estou contando a população brasileira da época), chutando tampinhas de cerveja Black Princess. De lá para cá, a partir de 1954, quando já existia, embora ainda usando fraldas, perdi mais 10 vezes, contando com a Copa que está sendo disputada agora, na África do Sul. No entanto, ganhei cinco inesquecíveis taças do Mundo. Pensando bem, e levando em conta que não existe outro país pentacampeão, é um retrospecto razoável. Neste momento dramático em que sou detonado pelos holandeses, acabo de tomar algumas decisões de extrema importância para a preservação da minha lucidez: vou torcer pelos hermanos. Não quero nem ouvir falar de final europeia, entre Holanda e Alemanha, ou coisa que o valha. Claro que, hermanos por hermanos, prefiro os uruguaios, apesar de terem sido nossos carrascos em 1950. Vou torcer por eles contra a Holanda. E neste sábado, com certeza, quero mais que os argentinos acabem com a alemoada. Vão plantar chucrute! Se tudo der certo, e se nossos ex-quase-conterrâneos cisplatinos também vencerem, teremos uma final entre os azuis do continente, entre a Celeste e o time de Maradona, e sou uruguaio desde criancinha porque no time joga El Loco Abreu. Portanto, será quase como o Glorioso Botafogo de Futebol e Regatas na final da Taça Fifa. Final européia, jamais! Por ene motivos. Um deles: a Alemanha chegará ao tetra e, junto com a Itália, será como o ressurgimento do pavoroso Eixo novamente ameaçando os valores da Civilização. Vão pro cacete, nazifascistas! Argentinos ou (sei que é mais difícil acontecer, mas sabe-se lá) uruguaios chegariam, caso um deles vença, ao tricampeonato. Nada demais. Claro que tenho um plano B: torcer pela Holanda, se a ferida cicatrizar até lá. O que não desejo para mim, e para ninguém, é outro Maracanazo. Ou seja, perder novamente uma Copa aqui em casa. Se os deuses do futebol também escrevem por linhas tortas, teremos boas chances dessa vez, pois o Dunga já era. Com certeza, vamos aprender com essa derrota e colocar um time de craques nos gramados de 2014. E mais uma coisa: considere-se desde já meu inimigo mortal quem colocar a culpa da derrota de hoje em nossa defesa, que continua sendo a melhor do planeta. Defesa não ganha jogo sozinha. Não queiram fazer do Júlio César um novo Barbosa ou do Lúcio um novo Juvenal.

A imagem lá no alto, para quem não sabe, é de Sebastian Abreu, El Loco, autor do gol que deixou o Uruguai na semifinal. No Glorioso, Loco é especialista em gols de cabeça. Falando nisso, a trilha sonora de hoje é tango, um tango argentino, “Por una cabeza”, que tem uma letra fantástica, misturando decepção amorosa e fracasso turfístico. Pode ser considerado também um tango uruguaio, porque o tango, dizem, nasceu do outro lado do rio da Prata. Pensando melhor, é um tango brasileiro, pois o autor da letra, parceiro de Carlos Gardel, Alfredo Le Pera, era paulista. Por uma cabeça, talvez por duas, a cabeça teimosa do Dunga e a cabeça esquentada do Felipe Melo (depois de dar o passe para o gol de Robinho!!! Esse cara não tem jeito!!!), perdi hoje minha décima Copa! Chega de anões!