terça-feira, 4 de agosto de 2009

VAI DAR SHAKESPEARE NA CABEÇA EM 2010?


Fui apresentado ao bonitão aí em cima, William Shakespeare, pelos contos de Charles Lamb, que adaptou a obra do bardo para crianças e adolescentes. O livro de Lamb era um dos volumes de uma coletânea que tinha também a “Guerra dos Mundos”, de H.G. Wells, e “A máquina infernal do engenheiro Garin”, de Tolstoi. Li quando era garoto numa biblioteca pública.
Ou seja, não sou nenhum especialista em Shakespeare. Claro que, adulto, li quase todas as peças. Mas confesso: no palco e na tela, Shakespeare só me deu sono. Se eu fosse inglês e assistisse as peças de meus conterrâneos lá em Londres, quem sabe teria apreciado melhor o bardo nos palcos. No cinema, nem os ingleses me convenceram. Dormi com o Hamlet de Lawrence Olivier.
Vou ser ainda mais honesto: com exceção das peças que li e dos contos adaptados para o público infanto-juvenil, só gostei de Shakespeare mesmo na chanchada “Carnaval no fogo”, com Oscarito no papel de Romeu e Grande Otelo fazendo a Julieta.
Foi aí, então, que vi na Folha um artigo escrito pela ex-ministra Marina Silva.
Aí deu para sacar que existe algo mais no ar entre a terra e o céu do que supõe o motorista da van Filosofia que percorre o campus da USP.

“Complexo de Lear
Por Marina Silva
“Durante curso de especialização na Universidade de Brasília, estudei a obra "Rei Lear", de Shakespeare. Talvez a tragédia possa nos ajudar a entender um pouco a política brasileira. Ao sentir-se velho, Lear decide abdicar da sua condição de rei, do enfadonho encargo de governar.
Chama as filhas – Goneril, Regan e Cordelia – para dividir seus bens e poder, anunciando que seria mais agraciada aquela que lhe fizesse a maior declaração de amor. E impõe outra condição: enquanto vivesse, o rei deveria ter assegurado respeito, prestígio, cuidado e, quem sabe, até mesmo o amor de suas filhas e súditos. Quer deixar de ser rei sem perder a majestade.
Cordélia, a mais jovem, com quem o rei mais se identificava, e que muito o amava, não soube dizer o que sentia. As outras não sentiam amor pelo pai, mas eram hábeis na verve.
O que torna sua jornada trágica e dolorosa é que Lear se recusa a retornar ao que um dia foi, um simples homem, rei de si mesmo. Não quer morrer, tornar-se passado. Quer ser sucessivo como é a vida, reviver a fase do prazer de poder.
Quer ter séquito e até mesmo um bobo para ninar seu desamparo.
Mas ninguém pode impunemente regredir sem ser atormentado pelo fantasma da repetição. No seu obsessivo desejo de ser amado, Lear agarra-se às palavras de Goneril e Regana. E rejeita amargamente a rebeldia de Cordélia, que só sabia sentir e não se sujeita a ter que fazer uma declaração de amor ao pai, obrigando-o a perceber esse amor no único lugar onde deveria estar: no resultado afetivo de suas relações pessoais.
Não por acaso desmorona o mundo de Lear. O que antes era tão bem definido, passa a ser ambivalente. Certeza e dúvida, coragem e medo, segurança e desamparo. A loucura de não mais saber quem é.
O alto preço por ter almejado e transformado em "ato" o desejo de retornar ao lugar onde um dia esteve e querer assumir a forma do que um dia foi. Ele só existe no mundo daqueles que o aceitam e o amam tal como é. E mesmo estes, incluindo Cordélia, não têm mais como aceitar seu governo senil. Até porque foi ele próprio quem decidiu abdicar de ser quem era para tornar-se quem não mais podia ser.
Tornou-se merecedor da reprimenda feita por meio das palavras do bobo: "Tu não deverias ter ficado velho antes de ter ficado sábio".
Genial Shakespeare, trágico rei, frágil humanidade de sempre, que não quer passar. Que infringe a ordem dos acontecimentos, sem o árduo trabalho de elaborá-los. Que desiste de ressignificar-se, e quer tão somente repetir o prazer da sensação vivida nas ilusões de majestade”.


Deu para sacar quem é Lear e quem é Cordélia? Claro que sim. Não é preciso perguntar à Bárbara Heliodora, que entende de Shakespeare como ninguém. Antônio Lavareda, João Santana ou Duda Mendonça, qualquer um desses galos da rinha do marketing político sabe a resposta na ponta da língua.
Teve gente que leu o texto acima e pensou no Sarney, mas o Rei Lear não nasceu no Maranhão. Saiu de Garanhuns, viveu no ABC e hoje mora em Brasília. Chama-se, nesta minha re-re-releitura, Luiz Inácio Lear da Silva, e tem também três filhas.
As filhas do Rei Lear de Shakespeare eram – como já foi dito – Goneril, Regan e Cordelia.
As filhas do Rei Lear da Granja do Torto se chamam Marina, Heloísa Helena e Dilma.
Lear da Silva, em algum momento, pode ter pensado numa das três para sucedê-lo no Palácio do Planalto. Só tem um porém: duas delas disputam ou disputavam o papel de Cordelia no próximo documentário do Sílvio Tendler.
Acho que Lear da Silva, desde o início de seu governo, imaginou que estava na hora de botar uma mulher para tomar conta “do loja”.
Primeiro, pensou em Heloísa Helena, mas a professora não tinha nada de Cordelia. Alagoana arretada que não leva desaforo pra casa, HH não engoliu a “Carta aos Brasileiros” – o documento que serviu de passaporte para a entronização de Lear da Silva. Nada fez pela campanha presidencial do pai em seu estado natal, onde o pai dela perdeu nos dois turnos.
Já instalado no castelo construído pelo Niemeyer, o pai afrontou-a escolhendo Henrique Meirelles para o Banco Central. Foi a gota d´água. Gota? Que nada: lágrimas de esguicho, como diria Nelson Rodrigues. Heloísa, a que queria ser Cordelia, chorou com essa nomeação e saiu do PT para fundar o PSOL.
Vai daí que o nome mais cotado passou a ser o de Marina. Muito diferente da irmã Heloísa, a doce ambientalista, esta sim, poderia interpretar Cordelia. Com seu jeito suave, Marina saiu-se bem, principalmente quando a peça fazia turnê internacional. Foi uma boa ministra, e no exterior só aumentou seu prestígio.
Mas o país que Lear da Silva queria entregar a uma provável sucessora era outro.
De Cordélia, Dilma não tinha nada. Dilma é um piano de cauda. É gerentona, dá esporro em todo mundo, quer ver a coisa funcionar, se possível pra ontem. O negócio dela é botar pra f... como dizem as torcidas no Maraca.
Êpa! É com esta que eu vou! – pensou em voz alta o rei.
A corrida ao trono apenas começou e nas terras baixas e altas outros nomes surgiram – dois deles abençoados pelo Príncipe que nos governou antes de Lear. São dois nobres ungidos pela Sagrada Congregação dos Tucanos. O mais jovem, Aecius, neto de um rei que morreu antes receber a Excalibur que foi enterrada no Planalto Central. Um sujeito simpático e esperto demais da conta, como se diz em Beozonte e São João del Rey. O outro, mais velho, tem o mesmo perfil da filha enfim abençoada de Lear. É difícil, autoritário e não deixa ninguém fumar no Castelo dos Bandeirantes.
Só tem um detalhe: não vai ser o candidato de sua nobre linhagem ao trono. É sério demais. Os manufatureiros e os agiotas do reino não confiam no Serra, a quem chamam, pelas costas, de “o filho do verdureiro”.
Ué, por que aceitaram então alguém ainda mais plebeu, no caso o Lear da Silva?
Aceitaram porque Lear Peace and Love descobriu a tempo que, com o programa do PT debaixo do braço, jamais seria ungido. Daí a tal “Carta aos Brasileiros” que levou Heloísa, a que não era Cordelia, a trabalhar contra o próprio pai nos dois turnos de Alagoas. Nem Luciana Genro seria capaz disso! E o reino, que dera um enorme salto no tempo do Príncipe, continuou indo muito bem sob o comando de Lear da Silva, com Meirelles no Bacem inclusive.
Os nobres da Sagrada Congregação dos Tucanos têm outro problema: não podem ver um muro que querem logo escalar e, depois, não descem nem a pau.
Por sorte, seus aliados mais íntimos são os demos - um povo rude, rico e bom de briga, só que sem votos.
Diante do imobilismo tucano, os demos tomaram as rédeas da carruagem para 2010.
Enquanto Serra e Aecius bicavam a hera do muro, os demos imaginaram uma boa saída. Acertaram esta saída com o povo verde da floresta – entre eles, Sir Kis, um espadachim que exercera funções relevantes no castelo do alcaide Cesar, também conhecido como o Mestre dos Factoides e Cesar, o Louco, uma das poucas cabeças pensantes do partido dos demos.
Como os verdes são pobres de marré de si, os ricos e brutos demos danaram a fazer pesquisa de opinião no reino. Sempre estavam à frente os dois pianos de cauda alemães, das marcas Serra e Rousseff.
Caraca!!! Como sair dessa encrenca?
“Tá dando errado porque só estamos ouvindo os pobres do reino!”, caiu a ficha do Mestre dos Factoides. “Vamos chamar a MCI!”.
A MCI é uma consultoria de marketing político e seu estrategista, Lavareda, pensou imediatamente em lançar uma das duas Cordelias rejeitadas para o papel. Até a crítica teatral Barbara Heliodora deve ter sido consultada.
E dessa vez deu certo: a pesquisa no Acre, no Leblon e nos Jardins deu Marina com 12% das intenções de voto.
Com exceção de Sir Kis, sempre disposto a uma nova aventura que o leve a algum cargo subalterno de um governo demo, os verdes não sabem dessa parte da trama. Ganharam de graça uma pesquisa que pode ser a salvação da lavoura e da floresta em geral.
Só então procuraram Marina, que não disse sim e nem disse não. Disse: pode ser que sim, pode ser que não. Pronto! Caiu nas boas graças do povo do muro, que adora um talvez.
Os demos deram um presente aos tucanos. Imaginaram uma disputa entre três mulheres e um tucano.
As três vão puxar os cabelos umas das outras.
Ficarão histéricas.
Vão dar unhadas.
Ôpa! Vamos tomar o castelo!
Serão três "delas" contra um dos nossos!
A segunda parte da trama começa em breve, quando Aecius virar o jogo e Serra se conformar em esticar sua temporada no Castelo dos Bandeirantes.
Quem quiser que conte outra.

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