terça-feira, 16 de dezembro de 2008

QUEM APADRINHOU O AI-5?

No dia 13 de dezembro de 1968, o estudante de Engenharia da UFRJ Cid Queiroz Benjamin tinha 20 anos de idade e soube pelo rádio que o governo Costa e Silva havia baixado o Ato Institucional nº 5. Ainda não estava na clandestinidade, mas já não morava com os pais. Por motivo de segurança, dormia em casas de namoradas e amigos, e preparava seu ingresso na luta armada – o que aconteceu durante o carnaval de 1969.
Um ano depois da metralhadora surrupiada de um sentinela da Aeronáutica, os órgãos de segurança do regime militar comemoraram sua prisão, em conseqüência do seqüestro do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, e o exibiram como troféu por ser o comandante do setor armado mais ativo da época no Rio, o MR-8.
Depois de dez anos de exílio na Argélia e na Suécia, Cid voltou logo que a Anistia foi decretada, em 1979. Eu o conheci, sempre bem-humorado, apaixonado pelo samba e pelo país onde nasceu, quando trabalhávamos no Globo, nos anos 80, e logo o elegi amigo de infância.
Eu só, não. Muita gente, inclusive o Paulo Siqueira. Paulo Siqueira, já falecido, foi seu mestre no jornalismo. Só o amor ao Flamengo de ambos explica aquela amizade maluca. Siqueira, direitista assumido e mal-humorado, era no entanto gente muito boa e excelente profissional.
Cid merece perfil bem maior do que este, mas vou parar por aqui, para que ele dê sua versão do Ato Institucional nº 5 e analise, 40 anos depois, o momento político em que foi baixado o documento asqueroso. Esse texto foi publicado pelo JB no “aniversário” daquilo.

AI-5: AFINAL , O QUE FOI E QUEM O APOIOU?
Cid Benjamin

"Tornou-se lugar comum dizer que o AI-5 significou um golpe dentro do golpe e abriu caminho para os anos de chumbo da ditadura militar.
É a verdade.
Afinal, se para derrubar o presidente João Goulart havia unidade entre os militares golpistas, não havia consenso entre eles sobre o que fazer depois de afastado “o perigo de uma república sindicalista”.
Uns, como Castello Branco, queriam a volta a um regime civil em prazo não muito longo. Seu objetivo era, retirando os militares da linha de frente, marchar para uma democracia restritiva, com “salvaguardas” que impedissem avanços no caminho de reformas democráticas e sociais mais de fundo.
Outros, da autodenominada “linha dura”, desejavam estender no tempo o regime recém-implantado e aprofundar seu caráter ditatorial e suas características mais brutais.
A edição do AI-5 coroou a vitória da extrema-direita nessa disputa. Quase tão pueril quanto culpar o inexpressivo discurso de Márcio Moreira Alves na Câmara pelo endurecimento do regime seria responsabilizar a resistência estudantil ou as incipientes ações de grupos armados que começavam a se organizar para combater a ditadura. O fechamento teve sua origem dentro do próprio regime.
Culpar os que resistiram à ditadura pelo advento do AI-5 e dos anos de chumbo equivale a responsabilizar os maquis pelas atrocidades das tropas nazistas na França ocupada.
Dito isto, dois aspectos relacionados com a ditadura e o AI-5, em particular, devem ser lembrados.
Primeiro: hoje, quando a questão da tortura volta à cena, por conta do debate acerca da impunidade ou não dos torturadores, é preciso destacar a relação direta do AI-5 com a institucionalização da tortura na ditadura. Ao proibir a concessão de hábeas-corpus para presos políticos, o regime deu carta branca aos carrascos. Uma vez presa, a pessoa podia ficar incomunicável pelo tempo e nas condições em que o aparelho repressivo determinasse.
Em muitos casos – e nem vamos falar aqui dos “desaparecidos” políticos - as prisões sequer eram legalizadas imediatamente. Dou meu próprio exemplo: fui preso em 21 de abril de 1970. Mas durante 20 dias permaneci no limbo; a oficialização da prisão deu-se apenas em 11 de maio. E, depois, continuei incomunicável e sujeito a todo tipo de violência no DOI-Codi. Mas aí, pelo menos, já existia oficialmente como preso.
Por isso, nunca é demais repetir: a transformação da tortura em política de Estado só foi possível com o AI-5.
A segunda questão a ser destacada é que a implantação da ditadura e, posteriormente, a edição do AI-5 não foram obra exclusiva dos militares. Que ninguém se iluda: a ditadura militar teve apoio em parcelas da sociedade civil.
Aliás, não é difícil ver que não poderia ser de outro modo. Pela sua dimensão e complexidade, uma sociedade como a brasileira não viveria 21 anos sob uma ditadura se esta não tivesse um mínimo de sustentação fora dos quartéis.
O apoio ao golpe, à ditadura e ao AI-5 na sociedade civil foi majoritário? Certamente não. Mas existiu.
É importante ressaltar este fato, porque, da forma como a história às vezes é contada, parece que os militares eram como marcianos, ditando regras a um país que, todo ele, aspirava voltar à democracia. Não foi bem assim.
O grande capital, tanto nacional como estrangeiro, o latifúndio e segmentos das camadas médias (estes últimos, é verdade, de forma mais oscilante) tiveram expressivos ganhos materiais e apoiaram decisivamente a ditadura.
Recentes reportagens publicadas na grande imprensa desvendando apoios civis a atos dos militares são positivas – afinal, sempre é bom um país se reencontrar com a verdadeira história. Nelas vê-se que, até mesmo entidades respeitadas por sua tradição democrática – como OAB e ABI – fraquejaram em certos momentos e estenderam a mão aos ditadores.
Mas se é bom destapar este baú, está faltando algo: esclarecer também o papel da grande imprensa. Em sua maior parte, ela apoiou o golpe de 64 e, depois, o AI-5. Aliás, no caso deste último, o velho JB foi uma honrosa exceção, com uma primeira página histórica, editada por Alberto Dines, no dia seguinte ao AI-5. Ela lembrava que a véspera tinha sido o Dia dos Cegos e apresentava a previsão meteorológica: “tempo negro” e “temperatura sufocante”.
Mas – é preciso que se diga - na grande imprensa tal comportamento foi exceção. Por isso, lembrar os editoriais dos maiores jornais do país em 14 de dezembro de 1968, o dia seguinte ao AI-5, certamente contribuiria também para a memória nacional".

10 comentários:

Marcelo Pinto disse...

Zé, seu blog é motivo de orgulho pra quem acredita no Jornalismo. Definir um certo jornalismo como "inteligente", tanto quanto "investigativo" ou "socioambiental", deveria ser visto como um retumbante pleonasmo. Infelizmente, não é.

Seus últimos posts me lembraram um cara que eu considero um mestre nessa profissão. Aí vai um trecho de sua participação no programa Roda Viva que vale como um bom lembrete para quem ainda acredita que um outro jornalismo continua possível:

http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/234/entrevistados/mino_carta_2000.htm

Anônimo disse...

Beleza, MARCELO. Pegou pesado, hein? Mino Carta é realmente referência desse nosso ganha-pão.abs

AOS QUARENTA A MIL disse...

Grande Cid Benjamim, companheiro dos desfiles na Paraiso do Tuiuiti enquanto escola do grupo B, junto com uma galera bem legal tipo "Claudio Jorge" vulgo Repolho. Aliás sumido o gajo.

Eduardo Goldenberg disse...

Grande Cid Benjamim, companheiro do Tiago Prata nos desfiles do PSOL enquanto partido de esquerda na avenida Atlântica enquanto orla marítima, sempre junto com uma galera bem legal tipo "Sophia Que Eu Ouço", vulgo "Palha" dentre outros. Aliás, sumidos todos os gajos.

Marcelo Moutinho disse...

Tenho o orgulho de trabalhar ao lado dele.

AOS QUARENTA A MIL disse...

Eduardo, grande escritor e coração de menino, você não é mole,não! Pior que meus filhos !!!
"enquanto partido de esquerda" ? Não é mais ? O Tuiuiti já é LESGA,rs. E o "Palha" não está nada sumido, pois estava lá "no quem é" ?

guilhermina, (ataulfo) e convidados disse...

nem acreditei quando cheguei por aqui. impressionante como esquinas virtuais podem ser melhores que esquinas reais. obrigada por esta. vou marcar ponto.
abs Guilhermina

Anônimo disse...

Mônica, Edu, Marcelo, Guilhermina, Ataulfo e todos os que passam por essa esquina virtual: feliz 2009-2010, um ano que terá 24 meses para o que der e vier!

AOS QUARENTA A MIL disse...

Procê tambêm, Zé Sergio, tudo de muito bom !!

Anônimo disse...

Zé, em primeiro lugar, viva teu blog. Puta saudade daqueles tempos. Olha, andei procurando pelo Campello e caí no blog por mero acaso. Então, olha aí uma do Campello quando eu era editor de economia e ele era meu copy.
Sexta, meio dia, ele telefona:
- Silvio, olha, hoje estou me sentindo tão bem que não posso ir trabalhar.


Outra:

Eu conversava com Campelo no corredor na porta da Economia. Passa o Elio Gaspari e me diz:
- Ô Silvio, você ainda conversa com esse cara?
- O que é isso, Elio...
- É, replicou Elio,vê o que ele colocou no dicionário como foda.

Entrei, consultei o Aurélio e o verbete Foda dizia, como primeira acepção: coisa desagradável.

Abraços saudosos,
silvio ferraz

Na outra edição, Campello colocou em terceiro lugar.