No dia 7 de março de 1990, liguei para Osvaldo Maneschy, ex-colega e amigo dos tempos do JB da Condessa. Ele já atendeu o telefone adivinhando o que eu queria:
– Já sei, seu merda! Tás querendo carona amanhã para o cemitério, não é, seu bosta? Tá certo, ô viado! Morreu o Prestes, né? Que merda, hein? Tantos filhos das putas (só o Maneschy coloca plural nesta expressão carinhosa) no mundo e vai morrer logo o velho Prestes! Puta que pariu!!!
Apesar da torrente de palavrões, todos foram ditos em voz baixa, sumida, quase chorosa, como se já estivesse no velório.
Maneschy, que hoje é o presidente da FLB-AP (Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini), não é daqueles pedetistas que têm adesivo do Brizola no vidro traseiro do carro até hoje. Colocou também no dianteiro e no retrovisor, no bolso da camisa e em cada porta de seu apartamento em Niterói.
Quando Brizola morreu, pegou o avião seguinte ao que levou o corpo do líder trabalhista a São Borja. Mas nunca digam ao Maneschy que o Brizola morreu. Desde que tal fato foi noticiado na imprensa, ele atribui a “falsa informação” a uma campanha promovida por “interesses transnacionais”.
Voltando ao dia 7/3, assim como eu, ele já tinha compromisso para o dia seguinte: acompanhar a última marcha do Cavaleiro da Esperança. A bordo da Brasília amarela, ou melhor sépia, chegamos ao São João Batista lotado de gente, cheio de velhos e novos militantes comunistas, inclusive alguns que o expulsaram da Secretaria Geral do Partidão.
– Já sei, seu merda! Tás querendo carona amanhã para o cemitério, não é, seu bosta? Tá certo, ô viado! Morreu o Prestes, né? Que merda, hein? Tantos filhos das putas (só o Maneschy coloca plural nesta expressão carinhosa) no mundo e vai morrer logo o velho Prestes! Puta que pariu!!!
Apesar da torrente de palavrões, todos foram ditos em voz baixa, sumida, quase chorosa, como se já estivesse no velório.
Maneschy, que hoje é o presidente da FLB-AP (Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini), não é daqueles pedetistas que têm adesivo do Brizola no vidro traseiro do carro até hoje. Colocou também no dianteiro e no retrovisor, no bolso da camisa e em cada porta de seu apartamento em Niterói.
Quando Brizola morreu, pegou o avião seguinte ao que levou o corpo do líder trabalhista a São Borja. Mas nunca digam ao Maneschy que o Brizola morreu. Desde que tal fato foi noticiado na imprensa, ele atribui a “falsa informação” a uma campanha promovida por “interesses transnacionais”.
Voltando ao dia 7/3, assim como eu, ele já tinha compromisso para o dia seguinte: acompanhar a última marcha do Cavaleiro da Esperança. A bordo da Brasília amarela, ou melhor sépia, chegamos ao São João Batista lotado de gente, cheio de velhos e novos militantes comunistas, inclusive alguns que o expulsaram da Secretaria Geral do Partidão.

Teria sido uma cerimônia singela, sofrida e austera, última homenagem ao velho combatente, se não fossem as intervenções de uma senhora de oitenta e poucos anos.
Alguns discursos foram ouvidos por nós, que estávamos a poucos metros da sepultura, sempre acompanhados pelo refrão “De Norte a Sul! De Leste a Oeste! O povo inteiro grita! Luiz Carlos Prestes!”.
Como de praxe, começou a chamada de alguns nomes de comunistas já falecidos, muitos deles assassinados pelo regime militar:
– Orlando Bonfim!
– PRESEEENTE! – respondeu aquele povo todo, em uníssono.
– Davi Capistrano!
– PRESEEENTE!
– Luís Inácio Maranhão!
– PRESEEENTE!
Até agora, nomes conhecidos. Foi então que as surpresas começaram. A velhinha puxou da memória mais nomes:
– Olga Benário! – berrou a senhora, de aspecto humilde, aquela Pasionária, quem sabe uma militante dos anos 40-50 esquecida de todos.
– PRESEEEENTEEEE! – este foi o mais emocionado dos coros.
Uma explicação: nos atos públicos durante a ditadura, era comum se fazer a chamada dos mortos. Dependendo da manifestação, eram citados apenas os militantes assassinados durante o período militar. A alemã e judia Olga Benário, primeira companheira de Prestes, morrera num campo de concentração na Europa, com a conivência do Estado Novo getulista.
No entanto, já não vivíamos sob ditadura em 1990 e a grande figura de Olga Benário se tornara mais conhecida de todos, desde a publicação da biografia escrita por Fernando Morais.
Pensando bem, já que aquele era o enterro de um combatente de duas ditaduras, nada mais justo do que acrescentar ao listão nomes antigos como o de Olga.
Os sorrisos se abriram. Como é que ninguém havia pensado nisso antes? A velhinha, de voz poderosa, prosseguiu:
– Serafim de Oliveira!
– PRESEEENTE!
– Manuel da Silva!
– PRESEEENTE!
– Francisca de Souza!
– PRESEEENTE!
Os comunas mais antigos se entreolhavam. Tinham a mesma idade da puxadora do coro ou quase, e pareciam constrangidos. Quem eram essas pessoas que nem mesmo eles conheciam? Seria a velhinha tão das antigas e importante que lembrava até dos codinomes do tempo do Getúlio?
Na dúvida, todos diziam:
– PRESEEENTE!
Mas tinha gente segurando o riso e soprando baixinho no ouvido dos outros:
– Kananga do Japão...
Tava explicado: tirando Olga Benário, revivida por Betina Viany, os demais eram personagens (fictícios) do núcleo dos comunistas da novela exibida na época pela TV Manchete.
A cerimônia foi encerrada logo em seguida. E a “veterana comunista” foi tirada de cena pelo neto, que se desculpou:
– É que a vovó não perde um capítulo!
2 comentários:
Valeu, ô sacana. Nem me lembrava mais direito dessa história. Só você mesmo. Gostei, vi que ainda sabe escrever "caxorro" com ch.
Abração.
maneschy
Fala MANESCHY! Manda aquela chinesada lá de Pequim (Beijing é o cacete!) entrar no QUEM É VIVO, que aí sim a coisa vai andar! Pô, tu não lembrou disso? Logo você, que tem memória fotográfica!? Abração, meu irmão, e boa viagem!
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