
Muita gente pensou que se tratava de José Serra, hoje governador de São Paulo e candidato a presidente, mas era outro Serra, o professor Antônio Amaral Serra, hoje professor de Filosofia da UFF.
Conheci o Serra em 1973, quando foi professor de minha turma no curso de Comunicação do IACS, na UFF. Um dos melhores, aliás. Depois de algum tempo passamos a frequentar o mesmo boteco, na pracinha de São Domingos, em Niterói. Serra sempre foi um papo e tanto. Há tempos que não o vejo, mas a internet e os e-mails nos aproximam sempre que um assunto vale a pena.
Foi o que aconteceu um dia desses e o mote foi o texto de uma coluna do Estadão, que ambos assinamos, em que Dora Kramer escreveu sobre as linhas gerais da candidatura do outro Serra.
José Serra elegeu o conceito do “Estado ativo” como fio condutor de seu programa de governo. Segundo Dora Kramer, ele se apresentará como defensor de algo que define como “meio termo entre o poderoso Estado Nacional Desenvolvimentista do passado e o Estado da pasmaceira, avesso à produção”.
Serra, o Antônio, disse-me estar com “a impressão seresteira de que esta próxima eleição será disputada pelos candidatos a herdeiro do Lula. Nenhum se apresenta como discordante ou oposição; ao contrário, oferecem-se como os melhores para fazer melhor o que Lula fez bem! Caso assim seja, nossas eleições serão um caso singular em um país livre e democrático...”.
Afinal, quem é o herdeiro do Lula? Dilma é apontada pelo presidente como a herdeira oficial. Serra, Marina e Ciro, por mais críticas que façam, também são candidatos ao espólio político lulista. Espólio? Não é bem assim. Lula já deixou bem claro que quer suceder o vencedor de 2010. E aí, como ficamos?
Será uma eleição diferente como nunca antes na história, para citar um autor da moda. O que todos esses candidatos têm em comum, além de se apresentarem como neo-Lulas, é que todos são pianos de cauda alemães. Ou seja, candidatos pesados, difíceis de carregar numa campanha. Por mais esforço que façam, nenhum deles é bom para segurar bochecha de criança, comer buchada de bode para agradar sertanejo, beber uma pinga da boa para deixar mineiro feliz, e assim por diante.
E é justamente isso que me agrada nesta próxima eleição. Inicialmente eu estava dividido, torcendo pela Dilma e pelo Serra. Hoje, definitivamente, tenho certeza de que votarei na Dilma, mas nem por isso deixei de ter boa impressão do Serra, o José.
“Serra é mais estatizante e intervencionista que Lula. Lula foi líder sindical e perdeu o medo de empresário, sabe negociar e pressionar. Veja como o governo constrangeu empresas durante a crise em relação a emprego e o caso da Vale. Ele sabe que assumir empresa é assumir só ônus”, me diz o Antônio Serra, que tem história de bom avaliador.
Filho de meteorologista, o Serra com quem já fui a botecos aprendeu com tempo bom e com tempo ruim. Foi presidente do Caco – o centro acadêmico da Faculdade de Direito da então Universidade do Brasil, hoje UFRJ – e, entre muitas boas sacadas, apoiou o colega que o sucedeu no cargo, Vladimir Palmeira, que não queria o cargo de jeito nenhum porque o negócio dele – era o que imaginava – nunca foi falar em público.
Serra, o Antônio, deu o toque que o cara precisava para desembestar e se tornar o principal líder estudantil carioca dos anos da ditadura. “Vladimir, faz o seguinte. Sobe agora ali no décimo degrau da escadaria da faculdade e começa a falar. Começa a falar agora, qualquer coisa”. E foi assim, está até registrado na história do movimento estudantil da década de 1960, que Vladimir Palmeira tomou gosto e nunca mais parou de falar.
Por esta e outras respeito muito as sacadas do Serra. Em outro e-mail, ele lembrou que, terminada a Segunda Guerra Mundial, chegou a notícia de que Churchill, um dos principais responsáveis pela vitória sobre o nazismo, perdera a eleição para primeiro-ministro. “É possível que Stalin tenha cofiado os bigodes e comentado ao pé do ouvido do Molotov como esses ocidentais são tolos e deixam escapar o poder justamente na hora em que melhor poderiam usufruí-lo”.
Serra, o José, está fazendo exatamente o que Lula fez para ganhar a primeira eleição presidencial. Em vez de falar mal de Fernando Henrique Cardoso, quase apresentou-se como herdeiro. Na segunda eleição, já era quase visto como o pai do Real.
A história se repete agora. Com uma diferença. Lula praticamente se dizia a continuação de Fernando Henrique. Já seus adversários nas duas eleições, José Serra e Geraldo Alkmin nem de longe se identificavam com o antecessor Fernando Henrique. Eis a diferença: nesta eleição de 2010, todos os candidatos viáveis – Dilma, Serra, Ciro e Marina – podem ser percebidos pelo público como continuadores de Lula. Aécio Neves, que tem sido bajulado para ser o vice de Serra, também joga no time.
Vá lá que Aécio tope ser vice de Serra (parece difícil hoje, mas em política nada é impossível de acontecer), neste caso serão dois “Pós-Lula” na mesma chapa.
Mas só um candidato, ou melhor, uma candidata, é apontada pelo próprio Lula como sua preferida. Sendo assim, a estratégia de tucanos, verdes e – quem sabe? – socialistas tem tudo para morrer antes de chegar na praia.
Na vitrolinha, "Nem às paredes confesso", com Amália Rodrigues.
2 comentários:
Zé, fiquei tão apaixonado pela Amália que não consegui me concentrar no resto.
Beijo, sacana!
Boa leitura do jogo.
R.Pian
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