terça-feira, 31 de março de 2009

A DIETA DO JACARÉ DO TRÁFICO



O programa Minha Casa, Minha Vida, recém-lançado pelo governo federal, me lembra o papel que o jacaré-de-papo-amarelo desempenha em prol do equilíbrio do ecossistema. O Caiman Latirostris – como o bichinho acima prefere ser chamado pelos estudiosos – é capaz de tudo: basta uma mordida mais forte para estraçalhar o casco de qualquer tartaruga, inclusive as patrocinadas pela Petrobras.
O jacaré-de-papo-amarelo não tem ética nenhuma, mas é capaz de grandes gestos como evitar a disseminação de doenças como a esquistossomose entre populações ribeirinhas. Isso porque a dieta do bichinho consiste em moluscos que fazem mal ao organismo humano. Ou seja, as criancinhas não morrem de barriga d´água quando o bom réptil nada em lagoas próximas.
Já quando o Caiman Latirostris tem patrão, aí a coisa pega. Lá em Uganda, nos anos 70, o ditador Idi Amin Dada criou um projeto de largo alcance social que deu o que falar, o famoso Programa Lágrimas de Crocodilo do Titio Idi Amin. Sua Excelência teve muita mídia internacional por causa disso: centenas de adversários políticos do pranteado estadista morreram na boca do portentoso lagartão.
Se não tiver saco de ler um monte de bobagens no Google, vá à locadora mais próxima e alugue o filme "O Último Rei da Escócia", com Forest Whitaker no papel do ditador e o jacaré no papel de comensal de seus banquetes.
Mas não é preciso ir tão longe: aqui no Brasil, em nosso Estado do Rio de Janeiro, mais precisamente no município de São Gonçalo, tem uma criação de jacarés-de-papo-amarelo também envolvidos em atividades criminosas. Eles habitam uma lagoa poluída e são alimentados com carne de primeira, segunda e terceira – filés, músculos e vísceras dos fregueses inadimplentes de seus patrões, os traficantes dos bairros do Salgueiro, Itaoca e adjascências.
O que tem o jacaré a ver com o programa que vai distribuir um milhão de moradias? Tudo a ver, como diria a Globo. Vamos por partes, como fazem os crocodilos a saldo dos facínoras africanos e brasileiros.
A fama de bons gestores dos patrões do jacaré da lagoa do Salgueiro, próxima ao Lixão de Itaoca, já chegou até ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), organização financeira internacional que está completando 50 anos em 2009. Aliás, só pra registrar, a terra natal do jacaré, São Gonçalo, vai fazer 430 anos de fundação neste mês de abril.
A boa impressão dos economistas do BID tem razão de ser. Isso porque eles ficaram sabendo, em detalhes, como funciona o esquema dos catadores de papel de Itaoca,
y quedaranse estupefactos, caramba!
A coisa toda é gerida pelo tráfico, que tem interesse logístico forte na área, de acordo com um informante que, obviamente, não tem o menor interesse e faz muito bem de não ver seu nome divulgado por qualquer mídia.
Diariamente, entre 300 e 400 adultos e crianças vasculham o que há de melhor no Lixão de Itaoca e enchem o caminhão, recebendo sem caô, sem intermediários políticos, as quantias correspondentes a cada catador. A produção do material a caminho da reciclagem é paga pelo poder paralelo, descontando os débitos que cada funcionário terceirizado possa ter na contabilidade dos fornecedores.
Sendo assim, dificilmente essas pessoas, que trabalham com mercadoria consignada, acabam na barriga do jacaré, ao contrário do que acontece com inadimplentes de classe média que ousam ludibriar a ONG armada.
A despeito da má impressão que o esquema possa causar, o fato é que a coisa funciona bem e ninguém até hoje foi ao Procon reclamar absolutamente de nada.
Voltando ao Minha Casa, Minha Vida, o governo federal também deveria conhecer outra experiência gonçalense para tocar esse projeto, que tem tudo para dar certo, desde que não cometa os erros praticados no passado. E novamente, o povo do Lixão de Itaoca é personagem.
A coisa aconteceu num governo anterior, que teve a boa idéia de construir 230 ou 240 residências no bairro de Santa Isabel e destiná-las ao público do Lixão. No dia da inauguração, teve bandinha e tudo e todo mundo parecia feliz. Só que, passados alguns meses, o tal conjunto residencial foi canibalizado pelos próprios moradores, que venderam tudo o que tinha dentro das casas, até mesmo os vasos sanitários.
E venderam por necessidade, porque precisavam comer, beber ou, digamos, pagar pelo consumo de supérfluos ilegais. Foi um programa bonito, ó pá, mas o governo municipal da época esqueceu de fazer o mais importante – um trabalho social de base. E o resultado é que a turma toda voltou para os barracos próximos ao Lixão.
O que o jacaré tem a ver com isso? Tudo a ver. O jacaré-de-papo-amarelo, conforme foi dito linhas atrás, pode ser tudo, pode ser mau-caráter, pode ser glutão, insensível, filho da puta, etc., mas até ele sabe como se faz um trabalho social de base, tanto que sua presença nos manguezais impede o avanço da esquistossomose. É claro que até o jacaré sabe que é brincadeira esse papo de que não existe almoço grátis. Quanto isso acontece, não é por culpa do primo brasileiro do Wally Gator que a economia é abalada. E o que lhe cabe fazer, sob patrocínio, é zerar os vestígios, apagar os indicadores e, principalmente, encher a pança sem remorsos e sem lágrimas de crocodilos.
(Antes que me encham o saco, não sou contra o programa de construção de moradias e gostei até da redução de imposto do cimento. Só peço ao governo federal que não esqueça do trabalho social. Caso contrário, melhor financiar a criação de jacarés e alimentá-los com os burocratas e intermediários que vão ganhar zilhões sem montar a necessária infra-estrutura).
Na jukebox, diretamente dos anos 50, Bill Haley e seus Cometas provocam o lagartão com o clássico See you later, alligator.

7 comentários:

Unknown disse...

Caro e grande Zé Sérgio,

Nem entrando no mérito em si do tema da referida matéria, mas apenas resumindo no que diz respeito à mídia (aliás, lendo também sobre os tais arquivos abertos do SNI sobre o Brizola): situação complexa essa de a mídia nãos ser mais o chamado "quarto poder", assim conhecida durante todo o século XX, mas sim agora o PODER interpenetrado aos demais poderes... E nem falo com ressentimento ou choradeira, até porque tenho o maior orgulho de ter sido jornalista de redação e ser agora jornalista assessor. E também porque sei do papel da imprensa numa democracia... Porém, a coisa está bem feia no "subtexto" da atuação da mídia. Para não alongar muito, basta uma frase do filósofo francês Michel de Montaigne, do século XVI: "a verdade não é o que é, mas o que os outros são levados a crecer que seja...".

Abraço.
Álvaro Miranda

M. Vidal disse...

PQP!!, bom pra caralho Zé.
Ainda bem que você parou com aquela viadagem de parar de escrever o Blog.
Grande abraço.

José Sergio Rocha disse...

Álvaro, o Montaigne, se vivo fosse, ia se dar bem. Provavelmente trabalharia para o Nizan. Vidal, como diz a Leni Andrade, estamos aí.

Guina Araújo Ramos disse...

Pô, pra quem já tava ficando de saco cheio, vc até que tá bastante prolixo!
Belos textos, justos esclarecimentos, boas bordoadas.
Não pára não!...
Abs,
Aguinaldo Ramos

Unknown disse...

Caro Zé Sérgio...

É isso aí...! O Montaigne tanto iria trabalhar para ao Nizan, como para algumas autoridades que não sabem como lidar com a mídia...! A coisa é tão séria, convenhamos, que fica difícil acreditar em quem... Claro, que, para entender o "subtexto" da realidade não basta ser leitor de jornal, mas sim leitor da entrelinnha e de outras fontes. A cada dia, vou ficando cáustico não por rigidez, mas sim por rigor do conceito, isto é, pedra é pedra neste contexto, mas pode ser outra coisa em outro contexto... Então, meu caro, a cada dia, fica provado que não dá para ter como fonte a mídia, a não ser como mais um ente no jogo do entrecruzamento de interesses, jogo esse em relação ao qual colegas nossos dizem que "não jogam", que trabalham, segundo dizem, para o interesse público... Ora, é que nem o técnico apolítico que abomina a política, bem sabemos, que, na verdade, presta um grande serviço político aos detentores da manipulação da informação... Mas, como tudo isso é muito óbvio para muitos leitores, a coisa pode se diluir numa espécie de "rebeldia contra os manipuladores..." Não, não! Estou me rebelando contra os manipulados consentidos, os manipulados fingidos, os jornalistas desonestos intelectualmente, os "unanimistas", os cheios de festas e verdades prontas e irretocáveis. E, olha, convenhamos, temos experiência dos vários "lados do balcão". Está demais, grande Zé Sérgio...!

Abraço,

Álvaro

AOS QUARENTA A MIL disse...

Diga-se de passagem, São Gonçalo está um samba e crioulo doido . Depois de anunciado a construção do pólo de Itaboraí que iria trazer o tão esperado progresso em cinco anos para todos nós da ponte pra cá, eis que nossos estudantes desandaram a fazer politécnico de petróleo e gás, faculdade de engenharia de produção, naval e de petróleo, obras na Alameda prevista para um ano mas já dura dois e por falar em répteis a prefeita da minha cidade a Panisset em período eleitoral inicia obras de pavimentação , porém para em outubro e não retoma as atividades , deixando desta forma uma quantidade enorme de ruas asfaltadas até a metade , calçadas com os blocos de concreto aguardando a colocação e enfim , uma zona do cacete.
É rezar para não que nossa mão de obra local seja realmente aproveitada, e que os municípios sejam preparados de verdade para absorver uma possível demanda de pessoas de fora em busca de oportunidade, para não piorar um problema que já temos nos dias de hoje, muita gente pouca estrutura.

Um abraço.

josé sergio rocha disse...

Continuem por perto, Guina, Álvaro e Mônica. Álvaro, os unanimistas, adeptos sempre da velha estratégia ibérica da conciliação, fazem seu papel de mantenedores da pasmaceira, nem sempre bem intencionados. Mônica, tomara que esse pólo saia logo. Tá todo mundo apostando nisso. Com o fim da crise, que vai terminar como tudo que é bom ou ruim, a coisa talvez ande mais rápido.