domingo, 18 de janeiro de 2009

CASAMENTO FELIZ CHEGA AO FIM APÓS 40 ANOS

Parei com o cigarro há 10 dias e parece que já ouço alguém zombando: “Pouco tempo, não vem tirar onda!”. Tiro onda, sim, até porque antes só tentei parar duas ou três vezes e sempre tinha a certeza absoluta de que voltaria às tragadas. Desta vez, é diferente. Não vou escrever livro de auto-ajuda, fiquem tranqüilos, e nem serei ex-fumante chato, mas já quero compartilhar algumas observações sobre a deliciosa experiência que estou vivendo.
Sabe casamento quando acaba? Melhor dizendo: quando acaba porque precisava acabar? Foi o que houve entre nós, entre o cigarro e eu. Um casamento de 40 anos cravados, união estável, duradoura, eu diria até um casamento feliz! Fora os anos de namoro, os momentos ingênuos que lembro, cada um deles, como costuma acontecer nas melhores relações, antes do vamovê.
Uma tardezinha em 1960 ou 1961, eu moleque de oito, nove anos, indo ao bar do Meira e do Meireles, dois portugueses, sócios de um buteco na Cantilda Maciel, bairro da Abolição, para comprar o Caporal Amarelinho do mais querido dos avôs que tive – cujo sangue não tenho nas veias, uma vez que era padrasto do meu padrasto, dá para entender que figuraça deveria ser para eu gostar tanto dele, há tantos anos falecido? O caporal era azul, vermelho e branco (demorei para entender o porquê do “amarelinho”) e anos depois associei a Napoleão Bonaparte, quando li que fora o mais jovem dos caporais do exército francês. Outra figura histórica do mesmo avô: o Lincoln. Acho que, não achando mais sua marca favorita, vovô mudou-se para esta nova, da Souza Cruz. Foi o cigarro que o acompanhou até o último endereço, em Inhaúma. Mas, vejam, não foi o Lincoln que o matou, e sim a diabete. Doença pavorosa antes de tantos medicamentos novos e tantos produtos bons. A dele provocou gangrena.
Não reparem muito, mas ando pensando esquisito e desconfio que estou escrevendo mal. O cigarro sempre ficava aqui ao lado do computador. Ficava também ao lado da privada. Mas já estou cagando sem ele. As palavras me faltam. Eu ia pedir desculpas pelo gerúndio de mau gosto que acabei de usar, queria usar outro termo, porém esqueci qual era. Vou lembrar, sem a ajuda do cigarro. O casamento acabou mesmo. Não vou na antiga casa pedir que me lave a roupa, coisas assim, estão me entendendo?
Foi em 1966 que o namoro começou de verdade. Na quadra de basquete do Colégio Diocesano de Uberaba. Um dos colegas me ofereceu a binga (no Rio, guimba) de um Luiz XV. Que coincidência! Meu avô era bonapartista, eu comecei monarquista. Foi, é claro, um horror. Passei mal, cuspi fora, os outros riam do guri. Embora tivessem a mesma idade, eram homens, eu só um menino bobo que nem fumar sabia. Nos dias seguintes, me ofereciam, risos idiotas, e eu recusava, para não passar mais por aquilo, mas entendi que era um ritual de passagem. E entendia cada vez mais vendo os adultos, os irmãos maristas do internato, fumando cigarros e, pelo menos em um caso, até charuto. Os adultos fumavam. As crianças não fumavam.
Uma tarde daquelas, saindo pelas ruas de Uberaba, num sábado de folga, comprei o primeiro maço, evidentemente de Luiz XV. Mais para mostrar aos outros do que para fumar. Eu puxava a brasa, sem muito interesse de ir fundo, e jogava a fumaça para fora, e não sentia mal estar. Descobriram que eu não tragava. Porra, assim eu nunca seria homem de verdade, seria mulherzinha, florzinha, um fresco. Aí tive que tragar e disfarçar o quanto aquilo me batia mal. Quando convencia os outros, dava um jeito de apagar e enterrar o cigarro para ninguém ver que eu não chegara até o fim.
A maior sacanagem que me fizeram foi terem descoberto que aquele maço de Luiz XV durou até o fim do segundo semestre. Ainda bem que não voltei ao internato no ano seguinte. Já havia me tornado um garoto de Copacabana, frequentador do Posto Seis. Uma saída de aula, todos indo para um bar a fim de Coca-Cola, um dos colegas pediu ao caixa com a maior naturalidade: “Me dá um Minister, varejo”. “Só tem Continental e Hollywood no varejo”. O cara fez cara de nojo. Só fumava cigarro bom. Eu tinha algum dinheiro e fiz a grande bobagem de comprar um maço inteiro de Minister.
Lembram dele? Muita fama, mas tornou-se uma bela porcaria com o tempo. O filtro desgrudava. Teve gente reclamando disso, acho que até na Justiça.
Aquele maço de Minister durou semanas. Eu gostava de levá-lo à praia e deixar, displicentemente, sobre minha toalha, à vista das garotas, de quem passasse. Saberiam que naquele pedaço de areia havia um homem. Claro que me roubaram. E foi aí que me emputeci e, com o salário do primeiro emprego, tirei a merreca necessária para um novo maço. Não de Minister, que era caro. De Continental sem filtro.
Um dia descobri que havia tragado sem problemas quase um cigarro inteiro. O maço durava uma semana, caiu para quatro, três, dois dias.
Além de tudo, em 1968 a gente descobria outras coisas novas também. Continental sem filtro podia ser cigarro de macho, mas era forte demais. Optei pelo Hollywood. Apesar do nome americano, era vermelho como os nossos ideais, porra!
E assim transcorreu, entre 1968 e 2008, um casamento inicialmente feliz. Nos primeiros dez ou vinte anos, melhor ainda. O cigarro era o grande companheiro da timidez, a timidez ia embora, a gente fumava muito e respirava bem, que beleza! E os filmes mostravam poses que podíamos fazer com o cigarro. Humphrey Bogart segurava o cigarro melhor do que ninguém, acho que entre os dedos médio e anular, com a mão em concha. Ou foi outro artista de cinema que fumava assim?
Cigarros, mulheres lindas, praias paradisíacas, cowboys a cavalo, a morte do homem do Marlboro, xiii, as coisas estavam mudando, mas vício é vício, não largo por nada, não me faz mal, não me faz mal, não me faz mal. A cerveja e o cigarro, o cafezinho e o cigarro, o uísque antes e o cigarro depois, o cigarrinho para discutir relação, o cigarrinho na porta do trabalho para comentar a demissão do amigo, o cigarro ajudando a pensar, a escrever, a dormir, a acordar, a fazer a digestão, a cagar.
Então passei dos 50 e, pela primeira vez, tive vontade de parar. Parei alguns dias, na primeira experiência. Houve mais duas ou três e em todas elas eu tinha a certeza de que voltaria a fumar. As noites estavam ficando piores, o ar me faltando. Os dias eram ruins, sem vontade para nada, qualquer exercício físico me derrubava.
Na virada do ano, resolvi levar a sério a academia. Comprei um mp3, coloquei exatas 598 músicas, de Mozart a Ray Charles, de Monarco a Gardel. Um dia desses, em vez dos 30 ou 40 minutos de praxe, fiquei 1,20m na esteira, agora já dá para ficar esse tempo todo, pois não ouço mais a porcaria do som ambiente da academia, aquele bate-estaca nojento. A bicicleta já está com os pneus cheios. Já tomei cerveja e passei no teste. Já conversei uma hora com um amigo fumante, o cigarro dele aceso, e pouco olhei para o cinzeiro. Mas também já quase entrei em crise. Aí peguei a bicicleta e saí por aí.
Fim de casamento é assim mesmo. O lado bom? Muitos. Nunca me senti tão dono de minha vida, respirando tão bem, com tanta disposição. Sei, sei, são apenas alguns dias, mas desta vez tenho a certeza de que é para sempre. Um amigo acaba de me enviar um email cheio de boas recomendações que vou seguir.
Cigarro, teu fim chegou! Vai pela sombra.

14 comentários:

Qual delas? disse...

Talvez não seja o mais indicado a falar do assunto pois nunca fumei, mas estou muito feliz por você.
Abraços,

Eduardo Goldenberg disse...

Grande José Sergio Rocha, amigo e parceiro querido! Fiquei, como já lhe disse, radiante ao vê-lo, sábado, em Piratininga, feliz da vida pedalando e suando pra ajudar na batalha contra o vício. Se tem um troço que eu não sou é ex-fumante chato. Mas sou, impossível fugir disso, ex-fumante. E um ex-fumante que lutou tremendamente contra a dependência química e que vê e sente, hoje, as inúmeras vantagens advindas da sábia decisão de deixar o cigarro. Bebe-se melhor, come-se melhor, é melhor pro sexo, é melhor pro fôlego, é melhor pro sono, é melhor, enfim, pra tudo. Força, dinda! Torço incondicionalmente por seu êxito.

AOS QUARENTA A MIL disse...

Que bom !!!! Muito bom , uma excelente iniciativa ! Parabéns pela decisão.

Anônimo disse...

Parabéns! Eu também terminei o casamento, mas ainda tenho recaídas e de vez em quando mantemos um encontro. Mas vou abandonar, vou abandonar!

Guido Cavalcante - guido.cavalcante@gmail.com disse...

Eu parei há dois meses. Estou me sentindo ótimo. O que eu fiz? Simples, descobri que "quem" precisava do cigarro era o meu cérebro e não o resto do corpo. É o cérebro que precisa daquela descarga de adrenalina que a nicotina produz. O cérebro não quer nem saber se o seu corpo está corroído por um cancer, se os pulmões estão quase sem funcionar. O cérebro quer é aquela sensação de prazer que o cigarro dá pra ele. Então comecei a dialogar com meu cérebro e assim estou sem fumar há dois meses. Estou me sentindo muito bem.

LUCÍLIA MACHADO disse...

Muito bom,como sempre, o seu texto e melhor ainda a sua atitude de parar de fumar. Vá em frente...

Unknown disse...

Pô Zé Sergio, parabéns múltiplos!!! Parar de fumar é uma decisão honrosa, porque poucas coisas na vida são melhores do que aquela fumacinha entrando... Como você pode ver, abandonei o vício (há 2 anos), mas conservo a esperança de que quando chegar a festa dos meus 75 anos, ele voltará a fazer parte da minha vida!Como no filme O Dorminhoco, do Woody Allen, vai que nesse tempo a ciência finalmente descobre que fumar faz bem à saúde!!!! Mas enquanto isso... Vá em frente, pedalando bastante!!! Grande abraço.

Vanessa Dantas disse...

Não sou fumante e nunca fui. E acho que vem daí a minha dificuldade em entender o porquê de tantos jovens ainda hoje fumarem.

Digo isso porque o seu belo texto retrata muito bem o que o cigarro representava noutros tempos. Era bonito, era moda, era charmoso fumar. Se não fumasse "nunca seria homem de verdade, seria mulherzinha, florzinha, um fresco", ou ainda "gostava de levá-lo à praia e deixar, displicentemente, sobre minha toalha, à vista das garotas, de quem passasse. Saberiam que naquele pedaço de areia havia um homem". É sensacional, Zé Sérgio! Basta lembrar os filmes noir onde os cigarros eram acesos um atrás do outro, sem trégua e aquela fumaceira toda dominando a cena...

Mas e hoje? Porque será que tantos jovens começam a fumar? Não é bonito fumar. Não é moda, não é charmoso, não é nada. Com todas as campanhas, informações, e até dificuldades impostas nos ambientes para os fumantes, realmente não entendo... E até onde sei, o primeiro cigarro nunca é gostoso pra ninguém.

Já até perguntei para alguns alunos meus fumantes e parece não haver resposta.

Seja como for, parabéns pela iniciativa, boa sorte e sucesso!

Diego Moreira disse...

Eu que já tive algumas centenas de alunos adolescentes posso afirmar que a ideia do rito de passagem continua existindo, talvez envolvida em outra mística, mas ela sobrevive.

Parabéns, meu camarada. Siga em frente e não desanime! Estou lutando pra convencer a minha mãe que também já tem longa amizade com o troço.

Abraço!

Anônimo disse...

A todos os que comentaram, obrigado. Sim, está dando certo. Quase um mês longe do cigarro, que já não está me fazendo mais tanta falta. Na verdade, ultimamente, tá me dando uma imensa vontade de ... não fumar.

M. Vidal disse...

É assim mesmo, aos poucos a gente vai se esquecendo dele.
Suar é o melhor remédio
Muita força e disposição.
Grande abraço

Anônimo disse...

pois eu faz um ano que para alguns meses e volto. agora parei dez dias e voltei.a fuamr poucos, mas...ô dureza.gostaria de saber quais as recomendações que o seu amigo passou
elizabeth

Arthur Tirone disse...

Tem alguém aí?

Verinha disse...

AHH FOI POR ACASO QUE AQUI ENTREI..
MAS ESTOU NA SUA TORCIDA..E QUERO QUE VC ESTEJA NA MINHA.ACABO DE DEIXAR O CIGARRO,TEM UMA SEMANA..AINDA DOI.AINDA SINTO A TRISTEZA DA SEPARAÇÃO..UM CASAMENTO DE MAIS DE 20 ANOS..AHH TENHO SAUDADES..MAS JA RESOLOVI:EU NÃO VOI VOLTAR PRA ELE..
ME MALTRATOU MUITO..NÃO SOU MULHER
DE MALANDRO PRA VIVER ASDIM SOFRENDO.RSRSRS
vÁ EM FRENTE AMIGO..VAMOS TER FÉ..A GENTE CONSEGUE..EU DANÇO,CHUPO BAÇLAS..CANTO E ASSOVIO..MAS NAO QUERO VOLTAR..MAIS
BJSSSSSSSSSSSSS