quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A MULATA VELHA, SEUS AUTORES E SEUS SAMBAS


Tá escrito na tabuleta. É a segunda vez que coloco esta imagem aqui no blog. O assunto é, novamente, a África. Quem já visitou o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, deparou com esta informação aí em cima. Os racistas que se rasguem. Berço da humanidade e da linguagem humana, não é à toa que a África seja tema de ótimos livros. Coincidentemente, cinco figuras que prezo muito estão escrevendo sobre este continente que o Rio de Janeiro traz dentro de si. Um desses amigos é o Marco Carvalho, que está terminando um romance sobre aquele Rio de Janeiro musical, rítmico e grandioso dos tempos das tias baianas da Praça Onze. Outro é o mestre Nei Lopes, que está sempre mandando bem sobre o assunto. O livro mais recente é o fantástico "Mandingas da Mulata Velha na Cidade Nova". A Mulata Velha, pra quem não sabe, é como o autor se refere aquele continente imenso que já foi e continua grudado em nossa América do Sul.
Tem mais autor na fita. Fernando Paulino, mais conhecido como Fernando Paduana, que já terminou “Mãe Meninazinha d´Oxum”, livro-reportagem que vai ser lançado ainda neste primeiro trimestre pela Fundação Palmares. Fernando conta a história do “Consulado Baiano” e de sua mentora, Vó Davina, falecida nos anos 60, e de sua descendência. Chega até esta mãe de santo que dá título ao livro. Nascida em Ramos, criada na Zona Portuária, Mãe Meninazinha d´Oxum vive hoje em São Mateus, distrito de São João de Meriti. Contou muitas e ótimas histórias ao Paduana. Vai ser mais um livro sério na estante de quem é apaixonado por histórias deste Rio de Janeiro africano, latino, místico, sambista e sacana onde temos o privilégio de viver. Aguardem, parece que é em março o lançamento.
Os dois nomes que faltam? Alberto Mussa e Luiz Antônio Simas, que lançam neste dia 3 de fevereiro de 2010, quarta-feira que vem, na livraria Al-Farabi (Rua do Rosário, nº 30, uma obra de fôlego. Desculpem o clichê, mas é isso mesmo, só muito fôlego pode dar origem a um livraço, “Samba de enredo – história e arte”, surgido de uma pesquisa pra lá de séria sobre mais de mil composições do gênero. De onde vem o samba-enredo? Pois é. Da África.
Falando em samba-enredo, acabo de ler na coluna “No Embalo”, do chapa Cesar Tartaglia, página 14 do Globo, que é praticamente certo o enredo da Vila Isabel em 2011 tendo Angola como tema. Ideia do Martinho da Vila. Ótima ideia, diga-se. Ai, minha Portela, quando vais acordar? Vamos ter em 2011 mais um carnaval de sambas de escritório? Logo a escola do Monarco?

Na caixa, para homenagear os cinco autores cariocas, Martinho da Vila leva Patrão, prenda seu gado, de Pixinguinha, Donga e João da Bahiana. A Santíssima Trindade do samba.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

E SE O DODÔ ESTIVESSE CEM POR CENTO?

Frase do Dodô após a humilhante goleada de ontem: “Quero sempre fazer gols, mas tenho de continuar o trabalho já que não estou fisicamente 100%”. Podia ter sido pior. O cara podia estar 100%. Ai que saudades do Botafogo. Aquilo não era um time. Aquela camisa não era a nossa. Meus pêsames aos torcedores daquele time que entrou em campo domingo no Engenhão com aquela camisa estranha. Deve ser alguma equipe de várzea. Não era o Botafogo do Mané Garrincha, do Nilton Santos, do Didi, do Quarentinha, do Zagalo, do Manga, do Jairzinho, do Roberto Miranda, do Paulo César, do Amarildo, do Gerson, do Rogério, do Zequinha, do Afonsinho, do Sebastião Leônidas, do Heleno de Freitas, do Basso, do Nei Conceição, do Carvalho Leite, do Nilo Murtinho Braga, do Nariz, do Túlio Maravilha, do Rodolfo Fischer, do Ferretão, do Carlos Roberto, do Valtencir, do Moreira, do Saldanha, do Oldemário, do Luiz Mendes, do Armando Nogueira, do Paulo Mendes Campos, do Vinicius de Morais, do Zeca Pagodinho, da Elizeth Cardoso, da Beth Carvalho, da Emilinha Borba, do Evandro Lins e Silva, do João Saldanha, do Carlito Rocha, do Walter Alfaiate, do Paraguaio, do Geninho, do Pirilo, do Osvaldo Baliza, do Otávio, do Mendonça, do Alemão, do Carlos Roberto, da Léa Cristina, do Dufrayer, da Chacel, do Tomé, do Pampolini, do Sandro Moreyra, do Simas, do Nilo Sérgio, do Ivan, do Lau, do Marechal, do Molica, do João Batista, do Petti, do Luiz Carlos da Vila, da Vovó Chiquitota, do Sérgio Augusto, do Ivan Lessa etc.
Fora o técnico e mais da metade desse timinho. Fique o goleiro, que não teve culpa, fique o Guerreiro que sozinho não faz verão, fiquem os hermanos recém-chegados, fique o Somália e o resto - como diz o Marechal Álvaro da Costa e Silva:
- BARATA-VOA!

domingo, 24 de janeiro de 2010

CARTA DA LEITORA ANITA AO GLOBO. COM SANFONA


"Tendo em vista matéria publicada em “O Globo” de hoje (p.4), intitulada “Comissão aprovará novas indenizações” e na qualidade de filha de Luiz Carlos Prestes e Olga Benario Prestes, devo esclarecer o seguinte:
Luiz Carlos Prestes sempre se opôs à sua reintegração no Exército brasileiro, tendo duas vezes se demitido e uma vez sido expulso do mesmo. Também nunca aceitou receber qualquer indenização governamental; assim, recusou pensão que lhe fora concedida pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Sr. Saturnino Braga.
A reintegração do meu pai ao Exército no posto de coronel e a concessão de pensão à família constitui, portanto, um desrespeito à sua vontade e à sua memória. Por essa razão, recusei a parte de sua pensão que me caberia.
Da mesma forma, não considerei justo receber a indenização de cem mil reais que me foi concedida pela Comissão de Anistia, quantia que doei publicamente ao Instituto Nacional do Câncer.
Considerando o direito, que a legislação brasileira me confere, de defesa da memória do meu pai, espero que esta carta seja publicada com o mesmo destaque da matéria referida.
Atenciosamente,
Anita Leocádia Prestes

RJ, 13/01/2010".
Na sanfona virtual de Luiz Gonzaga, "Vozes da seca".

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

E O ADEMAR, HEIN? QUEM DIRIA... HOJE TEM GENTE PIOR


A imagem mais antiga que eu guardo é a de um rádio branco no quarto da casa onde morávamos, no bairro paulistano da Aclimação. Eu devia ter uns três anos e era neste quarto que ficava meu berço, cuja madeira, me contaram, certa vez lustrei com cocô. Pode ser viagem, mas lembro de ter ouvido o Ademar de Barros falando naquele rádio. Talvez porque alguém comentou que era o Ademar falando.
Ademar hoje é tido como decano dos corruptos, mas tinha sua grandeza. A expressão “rouba, mas faz” surgiu por causa dele. O Ademar era tão sacana que certa vez, “injustamente acusado” de alguma patifaria, foi ao rádio e fez uma peroração mais ou menos assim:
“Se cai uma tempestade em São José dos Campos, a culpa é do Ademar. Se tem enchente no Tietê, a culpa é do Ademar. Ontem eu li que uma chenhora (ele falava assim) deu a luz a trigêmeos em Chorocaba. Antes que me acujem de alguma coisa, gostaria de dizer a todos vochês, e juro por Nocha Chenhora Aparechida, que não piso em Chorocaba há quase um ano e meio”.
Havia também um retrato enorme de Ademar de Barros no Flor do Rio, bar, bilhar e restaurante do meu avô, na pequena Propriá, em Sergipe, à beira do São Francisco. Vovô era politicamente ingênuo. Naquele bar, dizem, o legendário Carne Frita, filho da terra, aprendeu a matar a sete. O Flor do Rio não existe mais. Hoje, o prédio abriga o Fórum de Propriá. Meu avô morreu há um tempão. E o Carne Frita, também.
Já os corruptos, desde o Ademar, ficaram cada vez mais ousados. Este escândalo dos panetones e do dinheiro na meia, lá em Brasília, só chateia os eleitores. Os ditos cujos, Arruda e companhia bela, não parecem se incomodar nem um pouco. Afinal, são eles que fazem as leis que acobertam toda sorte de ilícitos que praticam. Como diria o Boris Casoy – aquele que vai sair no carnaval da Sapucaí abraçado com o gari Sorriso – “isto é uma vergonha!”.
Na foto, tirada em 1947, Ademar é o de bigode. No som, um clássico de Noel Rosa, na voz de Beth Carvalho: "Onde está a honestidade?".

sábado, 9 de janeiro de 2010

DALVA E HERIVELTO: O TESTEMUNHO DO VARELA


Não sou chegado a novelas e nem mesmo às minisséries. Acho que estas já foram melhores, na mesmíssima Globo. “Dalva e Herivelto”, por exemplo, um puta enredo, poderia ter capítulos mais longos e mais uma ou duas semanas de duração. Falo como telespectador: acho que esta história está sendo contada com pressa, nas coxas. Mas nem por isso me privei de assisti-la. Claro que estou gostando: é um resgate dos anos dourados do rádio. Pronto. Só isso justifica. Adorei a exposição do mau-caratismo do David Nasser, letrista inspirado e escroque do jornalismo. E, mais do que tudo, o mergulho de Adriana Esteves na personagem.
O motivo desta postagem é contar outra história, escrita por alguém que esteve no hospital São Lucas, onde a cantora foi internada. Eduardo Varela, que foi repórter da Rádio Nacional e do Globo antes de virar publicitário e professor da UFF, dá um testemunho importante sobre aqueles que foram os últimos momentos de vida de Dalva de Oliveira. É uma narrativa bem ao jeito do Varela. O DNA do texto está em todos os parágrafos, sobretudo no final. Com direito a um comentário genial de outro amigo a quem o Varela enviou o texto por e-mail, um dia desses.
Com vocês, Dalva de Oliveira e o texto de Eduardo Varela. Ao som de "Fim de comédia", de Ataulfo Alves:

“Dias antes de morrer a Estrela Dalva – ela estava internada direto num hospital de Copacabana – um repórter de uns 22 anos, primeiro emprego e poucas saídas para coisas importantes, recebeu a incumbência de registrar alguma coisa nova no panorama que se arrastava tristemente para o fim: a cantora ia mal, piorava e não morria, atrasando os necrológios feitos por todas as rádios do Rio de Janeiro. A ordem fora deixada à tarde; o repórter chegou, pegou um desajeitado gravador a tiracolo e foi pro hospital.
Lá, coleguinhas disputavam nos corredores uma entrevista com artistas, com o filho da estrela, Peri Ribeiro, e com quem mais importante chegasse. O foca, envergonhado com o tamanho do gravador, resolveu escondê-lo na portaria e ficou andando pelo corredor, no meio do qual estava o quarto da paciente. Ouvido atento, soube de uma enfermeira que ela sofrera várias hemorragias e precisava de sangue.
Assim, deslizou suavemente para as proximidades do quarto – a ausência do gravador ajudava nisso – entreolhou o que ia lá dentro e esperou uma chance, que chegou meia hora depois. Peri, o próprio Peri, ajoelhou-se no corredor, pensativo, ao lado do repórter que, cautelosamente, falou com ele estas possíveis palavras:
“Peri, soube que a Dalva precisa de sangue, é verdade?”.
Ele olhou o moço sem saber o que este fazia ali, talvez fosse um fã, um empregado da casa...
“Sim, outra hemorragia, ontem...”.
“Olha – disse o garoto – quem sabe se a gente fizer um anúncio na Rádio Nacional as pessoas acudam e não haja problema de doação? Sua mãe foi uma das maiores estrelas da Nacional, quem sabe!?”.
O cantor coçou o queixo e fez uma cara de interrogação (“como?”), o que fez o outro se identificar:
“Sou repórter da Nacional, deixei um gravador na portaria, você faz um pedido e quem sabe o problema será resolvido; e aí?”.
Peri Ribeiro chamou o irmão – este é que parecia decidir as coisas por ali – cochichou com ele, voltando-se para o foca com um olhar triste e condescendente, não precisou falar. O rapaz atravessou o salão sob o olhar curioso de alguns colegas e voltou com o imenso gravador de rolo, ajoelhando-se ao lado dos filhos da cantora. O pedido, feito por Peri, não tinha um minuto de duração, mas era claro, não será preciso escandi-lo. O repórter voltou à rádio, preparou a matéria, entregou ao editor com o texto retirado do gravador e foi embora. Tinha prova na universidade onde era aluno de Jornalismo.
No dia seguinte, ao chegar ao trabalho por, volta do meio-dia, encontrou o diretor da emissora (o velho e exagerado Arakem Távora) de pé, à frente de todos os repórteres da tarde, alguns dos tempos de ouro da Nacional, e ouviu assustado o primeiro elogio de sua curta vida de jornalista, algo assim:
“Que sirva pra todo mundo. Esse garoto está aqui há poucos meses e teve a coragem de enxergar uma notícia onde ninguém viu. A gravação vai ao ar de hora em hora, o hospital está jorrando sangue. Parabéns!”.
Vendo agora a minissérie da Globo e as cenas – irretocáveis – feitas no quarto do hospital onde a estrela padecia, aquele repórter (61 anos e com o pau ainda duro) estica a cabeça para ver na TV se aparece o corredor e, encostado na parede em frente, um jovem de 22 anos assustado e inseguro com o que tinha feito”.

O texto do Varela termina aqui. E o comentário a quem me referi na introdução, de outro jornalista e professor da UFF, João Batista de Abreu, em resposta ao e-mail do nosso amigo comum, diz o seguinte:
“Varela,
Gostei muito da história. Estava acreditando até aquela referência ao pau duro, aos 61 anos.
Aí vi que era ficção.
Abraços,
JB”.